São Paulo, terça-feira, 03 de outubro de 2006

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Educação sem romantismo

A CAUSA da melhora da qualidade do ensino básico foi sacralizada no Brasil: todos lhe professam devoção. Não se teve a paciência de encontrar idéias para fazer da devoção realidade.
Comecemos pelo começo: dinheiro. Sem aumentar em muito o investimento em educação - dos poucos mais de 4% do PIB que gastamos hoje para cerca de 7% - não resolveremos. E dinheiro, no tempo e na quantidade necessários, só pode vir, na realidade fiscal atual, de duas fontes: rebaixamento dramático dos juros que o governo paga aos credores da dívida pública interna e aumento da idade da aposentadoria. Outras fontes possíveis são tão complicadas, politica e juridicamente, que não atendem o objetivo imediato.
Depois de dinheiro, vêm poder e responsabilidade. Transferir a gestão das escolas básicas ao governo federal seria impraticável mesmo que fosse (e não é) conveniente.
Deixar tudo na mãos de prefeitos e governadores, porém, é aceitar que escola de qualidade dependa de governante local com recursos, competência e boa-fé. Impor padrões nacionais, monitorar, redistribuir recursos e quadros dos lugares mais ricos para os mais pobres e intervir corretivamente quando necessário. O Fundeb representa apenas primeiro passo.
Assegurados dinheiro e poder, acertar a relação entre o público e o privado. Abaixo o preconceito ideológico: experiências como a de alguns Estados da Índia mostram que reforma do ensino público pode caminhar junto com facilidades para melhorar o ensino particular, tornado acessível aos pobres, com apoio do governo.
E o conteúdo? Dar prioridade ao domínio de operações conceituais, exercitadas em dia escolar que se alongue: aprender como resolver problemas em matemática; como ler textos; como analisar, formular e escrever idéias; como buscar o conhecimento. Nada de enciclopedismo informativo ou de modismos pedagógicos. Professores formados, equipados e incentivados por iniciativas do governo federal - inclusive rede de "escolas normais" para qualificá-los.
Depois de tudo isso, ir fundo no esforço de identificar, em todos os níveis do ensino, os alunos pobres mais talentosos e esforçados. E oferecer-lhes apoios econômicos abrangentes e oportunidades acadêmicas extraordinárias. Serão os bolsistas da República. Sua chegada sacudirá a nação, porque lhe dará esperança.
Despi a causa de seu romantismo. Ficou só o essencial, de problemas e de soluções. Haveria enorme apoio nacional e internacional. Por que não fazer?
www.law.harvard.edu/unger


ROBERTO MANGABEIRA UNGER escreve às terças-feiras nesta coluna.


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