São Paulo, terça-feira, 03 de outubro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

As surpresas eleitorais

RUBENS FIGUEIREDO


Em vez de uma campanha emocionante e uma apuração enfadonha, a campanha foi maçante, e a apuração, espetacular


AS ELEIÇÕES de 2006 foram "sui generis". Em vez de uma campanha emocionante e uma apuração enfadonha, tivemos uma campanha maçante e uma apuração espetacular. Em curto espaço de tempo, contingentes expressivos de eleitores mudaram seus votos. O que teria acontecido?
Há pouco mais de 20 dias, não se encontrava analista na praça apostando em segundo turno na corrida presidencial. Lula mostrava resistência impressionante aos escândalos que se sucediam. Os segmentos menos instruídos e com menos renda mostravam fidelidade extraordinária.
Nas pesquisas qualitativas, verificava-se que esses eleitores justificavam todas as atitudes de Lula. Mensalão? "Ele não sabia. E se soubesse, isso é comum na política brasileira. Por que todo mundo pode e o Lula não pode?". Caixa dois? "Isso sempre teve.
Querem pegar o Lula porque ele tem origem pobre". Tudo que Lula fazia era bom, honesto, adequado e justo. Até que surgiu o escândalo do dossiê.
O "dossiêgate" não tem, nem de longe, a dimensão do escândalo do mensalão. Mas ele eclodiu num momento extremamente especial. Primeiro, porque a opinião pública estava machucada com tantas ocorrências ligadas à corrupção. Waldomiro Diniz, mensalão, CPIs, o caso do caseiro, sanguessugas, as explicações desencontradas, tudo isso saturou a sociedade ou, pelo menos, aquela parcela da sociedade com maior capacidade de vocalização.
Depois, a operação engendrada por pessoas muito próximas ao presidente foi descoberta em meio ao período eleitoral, no qual a capacidade de amplificação das notícias aumenta muito. Existe o horário eleitoral gratuito, ampla cobertura da mídia, debates, discussões em universidades, multiplicação alucinada de correntes pela internet e assim por diante.
A partir da divulgação do escândalo e apesar de toda a cobertura dos meios de comunicação, nada de muito emocionante aconteceu. A cada pesquisa divulgada, os candidatos, quando muito, oscilavam dentro da margem de erro. Mas a diferença entre Lula e Alckmin diminuía pouco a pouco. No Datafolha de 22/9, Lula tinha 55% dos votos válidos e confirmava seu favoritismo, apesar de tudo.
Mas dois fatos novos ocorreram. O primeiro foi o debate da Rede Globo, ao qual o candidato petista optou por não ir. Embora não houvesse tempo para repercussão no horário eleitoral, o gesto foi muito criticado. E a imagem da cadeira vazia, certamente, não é das mais edificantes.
Depois, aconteceu a divulgação das impressionantes fotos do dinheiro apreendido com os habilidosos negociadores de dossiês. Fato semelhante tirou Roseana Sarney da disputa presidencial de 2002. A junção desses três estímulos -a descoberta da manobra do dossiê, a ausência no debate e as fotos- num contexto de uma sociedade que assistia ao desmoronamento ético do governo acabou levando a eleição para o segundo turno.
As pesquisas eleitorais haviam captado a tendência e apontavam, no dia da eleição, a possibilidade do segundo turno. Mas o candidato tucano teve uma votação bem acima do que se esperava. Muitas vezes, as correntes de opinião apresentam uma dimensão e uma velocidade que surpreendem até os institutos de pesquisa.
Outras surpresas ocorreram. Uma delas foi a expressiva votação de Guilherme Afif (PFL) na eleição para o Senado em São Paulo. Ele chegou a ameaçar a vitória de Suplicy (PT), uma espécie de senador por antonomásia. Se tivemos a "onda Lula" em 2002, parece ter ocorrido, na reta final de campanha, uma "onda Alckmin" varrendo o eleitorado paulista.
Na Bahia, algo inesperado aconteceu. Paulo Souto (candidato de ACM, pelo PFL) era favorito para vencer no primeiro turno. Aconteceu justamente o contrário: quem foi eleito no primeiro turno foi o ex-ministro Jaques Wagner (PT). Partindo do pressuposto de que as pesquisas estavam corretas, dá para arriscar dois fatores que talvez expliquem a virada: o ocaso do ciclo carlista no Estado e a presença constante de Lula na campanha de Wagner. Na Bahia, Lula bateu Alckmin por 67% a 25%.
Tivemos ainda outras surpresas, como a eleição do conservador Francisco Dornelles (PP) para o Senado pelo Rio de Janeiro, que bateu a progressista Jandira Feghali (PC do B). No mesmo Rio, Lula teve 49%, contra 29% de Alckmin.
No Rio Grande do Sul, onde o PSDB nunca teve grande tradição, Yeda Crusius, contrariando as pesquisas, obteve a vitória e enfrenta Olívio Dutra (PT) no segundo turno. Germano Rigotto (PMDB), atual governador e favorito nos levantamentos, vai assistir à disputa. Dá para entender?
Talvez a opinião pública brasileira não estivesse nas suas condições normais de temperatura e pressão. Em qualquer país civilizado, escândalos provocam manifestações, e as instituições políticas agem no sentido de punir os infratores. No Brasil, anestesiado pelo Bolsa-Família e pela verborragia presidencial, não aconteceu nem uma coisa nem outra. Uma hora, os brasileiros tinham de acordar.

RUBENS FIGUEIREDO , 48, cientista político pela USP e especialista em marketing político, é autor, entre outras obras, de "Marketing Político e Persuasão Eleitoral".


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