|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
A escolha do Rio como sede da Olimpíada
de 2016 é uma boa notícia para o Brasil?
NÃO
Uma grande hipocrisia
ALBERTO MURRAY NETO
A DECISÃO do Comitê Olímpico
Internacional foi indigna. Mais
do que isso, foi hipócrita. Tentaram fazer história à custa do desespero dos pobres. Não acredito que haja no COI alguém que ignore os gravíssimos problemas sociais do Brasil.
Se essa pessoa existe, não merece estar lá. Ou melhor, merece, sim.
Quem achou que fez história ao
"dar os Jogos à América do Sul, em razão de seu caráter universal", não
pensou no movimento olímpico. Pensou em si mesmo e nos próprios interesses. Daí a hipocrisia.
O Brasil e o Rio são carentes de tudo. Não há escolas, hospitais, moradia, transporte público, alimentação
para os pobres, luz elétrica, saneamento básico, esporte etc. As pessoas
continuam morrendo de sede, de frio,
de bala perdida etc. O Rio é a porta de
entrada para o Brasil, o que nos dá visibilidade no exterior. A cidade tem
tido a má sorte de, há anos, ser maltratada por políticos incompetentes e
mal-intencionados.
Se alguém acha que daqui a sete
anos o Rio estará livre dos traficantes
de droga e dos tiroteios, que o trânsito
será fantástico, que haverá hospitais
de qualidade, escolas públicas de excelente nível para todas as crianças,
praças esportivas populares espalhadas pela cidade, pessoas morando
condignamente, só para citar alguns
exemplos, escolha uma bela praia e
espere deitado. Para não se cansar.
Nada, rigorosamente nada vai mudar. A baia da Guanabara, por exemplo, vai permanecer um dos locais
mais poluídos do mundo. Bela, mas
de cheiro insuportável.
Uma coisa, na cabeça dessa gente, é
certa: o povo, pobre povo do Rio de
Janeiro, que se lixe!
Tudo isso é assunto que deverá ser
acompanhado de perto. Sei que gente
boa do Rio criou algumas ONGs para
fiscalizar o uso do dinheiro público.
Que elas trabalhem muito e façam o
papel que os organizadores não terão
coragem de fazer.
Que essas ONGs escancarem os números, as licitações públicas e quem
estará por trás de cada empresa vencedora -isso quando houver a tal licitação. Que o TCU e o Ministério Público não se apequenem e cumpram o
seu papel constitucional.
População carioca, assim que a festança acabar, cobre, fique de olho.
Não se deixe enganar. Quero ver a patota olímpica fazer em sete anos o que
já deveria ter sido feito há mais de 20.
Ainda assim, acho que os atuais administradores do esporte olímpico
devem sair. A renovação, salutar em
quaisquer circunstâncias, deve ser
feita com muito mais razão, até para
dar maior transparência ao que ocorrerá à partir de agora. Se permanecerem os mesmos, o final da história já
se sabe. Basta ver o Pan e multiplicar
por mil o tamanho do escândalo.
Que venha a lei que limita as reeleições indefinidas, já valendo para os
atuais mandatários. Já que o COI cometeu essa ignomínia, que se ponha
gente do bem para administrá-la.
Nada do que foi escrito e falado sobre a candidatura por quem a ela se
opôs é inútil. Tudo, agora com muito
mais razão, deverá ser aplicado e observado. A doutrina olímpica da honestidade vai sempre prevalecer.
Venceram, pela coragem do que disseram, tantos e tantos nomes da imprensa, do esporte e da sociedade civil
criticando essa manobra olímpica.
Que todos continuem seu belo trabalho de fiscalização, agora redobrado.
As obras olímpicas serão muito
mais caras, haverá denúncias, escândalos, atrasos nas construções e, acima de tudo, não vão entregar o que
prometeram.
Aqueles que gravitam no entorno
do movimento olímpico brasileiro
vão ficar ouriçados. Viva a agência de
turismo! Bravo para a corretora de seguros! Estupendo para a empresa que
comercializa os ingressos! E a empresa de marketing esportivo, que vibre
muito! As construtoras vão dividir a
fatia do bolo? Vai ter construtora falida reerguendo-se à custa desse projeto megalômano? Haverá licitações
públicas? Os fornecedores de serviços
terão que contratar "consultorias" de
terceiros estranhos ao negócio?
Disseram aos brasileiros e aos cariocas que os Jogos Olímpicos seriam
a solução dos seus problemas. "Olimpiator Tabajara", seus problemas acabaram. O Nuzman agora vai virar o
"Seu Creysson".
ALBERTO MURRAY NETO , 43, advogado, é árbitro da Tribunal Arbitral do Esporte, em Lausanne (Suíça), e diretor da ONG Sylvio de Magalhães Padilha.
www.espn.com.br/albertomurrayneto
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Mauricio Murad: Uma grande oportunidade Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|