São Paulo, sábado, 03 de novembro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil tem condições de sediar a Copa de 2014?

SIM

Preparação e superação dos problemas

MAURICIO MURAD

FOI O que o Brasil ouviu da Fifa. Único concorrente, pentacampeão mundial, maior celeiro de craques, rodízio entre continentes, boa avaliação dos inspetores. Deu tudo certo. A Copa de 2014 será mesmo aqui. O mais importante, agora, é saber o que vamos fazer com tudo isso.
O Brasil foi escolhido apesar da violência, da corrupção, da impunidade. Nada disso é novo, embora alarmante. Novidade é o que podemos ganhar com a Copa. A Fifa e seus investidores exigem muito, mas também ajudam.
E com essa gente não tem brincadeira. Os interesses são grandes, e prazos, metas, orçamentos e compromissos têm que ser cumpridos. Assim, a Copa é uma boa oportunidade para o Brasil experimentar coletivamente novos conceitos e melhores valores.
Está no caderno de exigências da Fifa: avaliar, planejar e investir, tudo a curto, médio e longo prazo; mapear e controlar os problemas com ações de inteligência e prevenção; se preparar para aproveitar ao máximo o evento -antes, durante e depois. Afinal, é um direito e um dever ir além do campo esportivo, agregar valores e realizações que fiquem. Temos um histórico de vitórias dentro de campo. É hora de outras conquistas.
A Copa é uma chance rara de nos obrigarmos a construir e cumprir minimamente esse plano estratégico. Os ganhos em termos de emprego direto e indireto, na cultura, na segurança e em outros domínios são conhecidos.
Por isso, é bom aprender com quem já fez. Nossos laboratórios são o Mundial de 2006, na Alemanha, e o Pan de 2007, no Rio. Pesquisas ajudam no planejamento, na execução e na gestão do legado. Então, vamos convocar uma pequena seleção de resultados de pesquisa para auxiliar a avaliação.
A Copa da Alemanha foi um projeto da sociedade e uma ajuda à inclusão e ao desenvolvimento. Por cinco anos, investiram em infra-estrutura, além de campanhas mostrando o evento como uma grande oportunidade, e o futebol, como patrimônio cultural.
Não somos a Alemanha, mas temos sete anos pela frente. Não é muito, mas também não é tão pouco. É preciso começar já e estender ao máximo os efeitos da Copa. Devemos lembrar o que os alemães cantaram no Portão de Brandemburgo: "A Itália ganhou uma Copa, a Alemanha, uma alma". O Brasil precisa ganhar uma alma e passar a limpo suas instituições.
Lá, a segurança foi prioridade, para garantir os investimentos e a integridade das pessoas. O apoio das polícias internacionais, tido como fundamental, seguiu o previsto: pesquisa, inteligência, prevenção, convivência. A lei foi aplicada com autoridade.
Aqui, nosso estudo do Pan, com 2.410 homens e mulheres de diferentes idades, classes sociais e escolaridades, mostrou que, para 93%, a segurança é essencial na qualidade de vida. E 83% acharam que a segurança foi prioridade só no papel e que dela ficará pouco, "porque foi para gringo ver". A experiência alemã (e não o Pan) incorporou o que deu certo e deve ser o exemplo.
Que tal aproveitar os investimentos e a pressão internacional da Copa para fazer da segurança uma real prioridade? Não é porque nos falta segurança que não devemos ter a Copa; devemos ter a Copa para ajudar a ter segurança, entre outros aspectos.
A cooperação polícia-população, os fundamentos educacionais do esporte, o envolvimento das escolas e uma política para as áreas esportivas são precondições exigidas pela Fifa e devem ficar como legado.
A pesquisa do Pan mostrou a necessidade de melhorar o transporte, o trânsito e a iluminação das ruas. Leis duras e ações preventivas. Integração entre município, Estado e União em políticas públicas e projetos sociais.
Desde 2001, a Alemanha preparou 2006. O Brasil deve solicitar -e já- a ajuda alemã, como fez a África do Sul, sede de 2010. Isso é um direito previsto e bem-visto pela Fifa e seus patrocinadores. Não é um favor.
A Copa de 2006 e o Pan de 2007 são o nosso pontapé inicial. Temos que fazer mais, organizar melhor e controlar os custos. Bilhões estarão em jogo e sob avaliação internacional.
Nossa imagem também. Temos a obrigação de não perder essa. Esporte é atividade socioeducativa, expressão de identidade, fator de socialização. Uma Copa não resolve questões básicas, estruturais, mas pode ajudar. Depende de nós.


MAURICIO MURAD , 57, sociólogo, doutor em sociologia do esporte, é professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e do mestrado da Universo. É autor, entre outras obras, de ""A Violência e o Futebol, dos Estudos Clássicos aos Dias de Hoje".

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