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JOSIAS DE SOUZA
O que foi feito da desesperança dos brasileiros?
As finanças públicas encontram-se no estaleiro. O desemprego segue rosnando a esmo. O borrão da miséria continua passando as
ruas a sujo. A inflação manda lembranças. A ordem econômica mundial é a mesma. O Palmeiras foi à segunda divisão.
Repise-se, pois, a dúvida: o que justifica tanta esperança?
É bem verdade que o brasileiro costuma ser otimista entre o Natal e o
Carnaval. Mas a eleição de Lula aguçou o fenômeno. Súbito, o cultivo da
incerteza converteu-se em pecado.
"Não duvidarás do futuro do país", eis
o mandamento dos novos tempos.
Para os mais pobres, o triunfo do ex-operário proporcionou a renovação
da utopia de que vivem no mesmo
país dos ricos, ainda que em bairros
diferentes. Foi restituído o direito à
utopia do mobilismo social.
Os mais ricos observam Antônio Palocci falando e gostam do que ouvem.
Ele fala o idioma da confraria. Acompanham a movimentação de neopetistas como Sarney e Quércia e gostam
do que vêem. Lêem o noticiário sobre
a costura da nova Esplanada dos Ministérios e riem docemente. Renova-se a fantasia de que as coisas podem
mudar não mudando.
A atmosfera que separa a campanha
da posse também conspira em favor
da esperança desmedida. Nessa fase, a
política costuma devolver às pessoas,
na forma de discurso, aquilo que elas
desejam ouvir. Defende-se do fim das
injustiças ao direito ao chope sem colarinho.
A triste verdade, porém, é que o Brasil radicalmente diferente que vem
sendo aguardado não virá. Não que o
novo governo não queira. O que separa o país novo da realidade é o fato de
que Brasília não governa o seu próprio
destino.
Vive-se na Presidência o paradoxo
de ter o poder e, simultaneamente,
conviver com a impotência. Como,
aliás, o PT começa a perceber.
A pretexto de conduzir uma transição civilizada, FHC antecipou a posse
de Lula. Súbito, o novo presidente viu-se forçado a tomar decisões antes do
tempo. Suas convicções quanto ao salário mínimo, por exemplo, se reverteram.
Seus auxiliares referendaram alíquotas de imposto, brecaram repasses
financeiros a Estados, irritaram aliados... Tomaram um banho de realidade.
Entre quatro paredes, começa a surgir no PT uma corrente que defende,
corajosamente, a desmistificação da
idéia de que Lula é uma espécie de salvador por geração espontânea.
Parte-se do pressuposto -correto,
diga-se- de que um Brasil embalado
por promessas salvacionistas está
condenado a desaguar num Brasil desiludido. Que exigirá a construção de
perigosos discursos mobilizadores.
O grupo se contrapõe a outro que,
apegado ao novo mandamento que
proíbe o exercício da dúvida, costuma
tachar de preconceituosos os que ressaltam o desafio posto diante de Lula.
Nas funções de chefe do Executivo,
terá de potencializar todas as suas
qualidades: capacidade de liderança,
autoridade, coragem, visão etc.
Os temas que se lhe apresentarão
são complexos. Os interesses que lhe
baterão à porta, contraditórios.
Ainda que tenha um pacto com o
acerto, Lula logo descobrirá que a pulverização de instâncias na administração pública, uma se sucedendo à outra, em cadeia hierárquica que tende
ao infinito, tende a conspurcar as ordens do presidente.
De modo que todos tendem a ganhar se o PT for o primeiro a lembrar
que, depois do Carnaval, sempre haverá uma Quarta-Feira de Cinzas.
Josias de Souza é diretor da Sucursal de Brasília.
Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo
de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às
terças-feiras nesta coluna.
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