São Paulo, terça-feira, 03 de dezembro de 2002

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JOSIAS DE SOUZA

O que foi feito da desesperança dos brasileiros?

As finanças públicas encontram-se no estaleiro. O desemprego segue rosnando a esmo. O borrão da miséria continua passando as ruas a sujo. A inflação manda lembranças. A ordem econômica mundial é a mesma. O Palmeiras foi à segunda divisão.
Repise-se, pois, a dúvida: o que justifica tanta esperança?
É bem verdade que o brasileiro costuma ser otimista entre o Natal e o Carnaval. Mas a eleição de Lula aguçou o fenômeno. Súbito, o cultivo da incerteza converteu-se em pecado. "Não duvidarás do futuro do país", eis o mandamento dos novos tempos.
Para os mais pobres, o triunfo do ex-operário proporcionou a renovação da utopia de que vivem no mesmo país dos ricos, ainda que em bairros diferentes. Foi restituído o direito à utopia do mobilismo social.
Os mais ricos observam Antônio Palocci falando e gostam do que ouvem. Ele fala o idioma da confraria. Acompanham a movimentação de neopetistas como Sarney e Quércia e gostam do que vêem. Lêem o noticiário sobre a costura da nova Esplanada dos Ministérios e riem docemente. Renova-se a fantasia de que as coisas podem mudar não mudando.
A atmosfera que separa a campanha da posse também conspira em favor da esperança desmedida. Nessa fase, a política costuma devolver às pessoas, na forma de discurso, aquilo que elas desejam ouvir. Defende-se do fim das injustiças ao direito ao chope sem colarinho.
A triste verdade, porém, é que o Brasil radicalmente diferente que vem sendo aguardado não virá. Não que o novo governo não queira. O que separa o país novo da realidade é o fato de que Brasília não governa o seu próprio destino.
Vive-se na Presidência o paradoxo de ter o poder e, simultaneamente, conviver com a impotência. Como, aliás, o PT começa a perceber.
A pretexto de conduzir uma transição civilizada, FHC antecipou a posse de Lula. Súbito, o novo presidente viu-se forçado a tomar decisões antes do tempo. Suas convicções quanto ao salário mínimo, por exemplo, se reverteram.
Seus auxiliares referendaram alíquotas de imposto, brecaram repasses financeiros a Estados, irritaram aliados... Tomaram um banho de realidade.
Entre quatro paredes, começa a surgir no PT uma corrente que defende, corajosamente, a desmistificação da idéia de que Lula é uma espécie de salvador por geração espontânea.
Parte-se do pressuposto -correto, diga-se- de que um Brasil embalado por promessas salvacionistas está condenado a desaguar num Brasil desiludido. Que exigirá a construção de perigosos discursos mobilizadores.
O grupo se contrapõe a outro que, apegado ao novo mandamento que proíbe o exercício da dúvida, costuma tachar de preconceituosos os que ressaltam o desafio posto diante de Lula.
Nas funções de chefe do Executivo, terá de potencializar todas as suas qualidades: capacidade de liderança, autoridade, coragem, visão etc.
Os temas que se lhe apresentarão são complexos. Os interesses que lhe baterão à porta, contraditórios.
Ainda que tenha um pacto com o acerto, Lula logo descobrirá que a pulverização de instâncias na administração pública, uma se sucedendo à outra, em cadeia hierárquica que tende ao infinito, tende a conspurcar as ordens do presidente.
De modo que todos tendem a ganhar se o PT for o primeiro a lembrar que, depois do Carnaval, sempre haverá uma Quarta-Feira de Cinzas.


Josias de Souza é diretor da Sucursal de Brasília. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às terças-feiras nesta coluna.


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