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Era da certeza
Novo relatório da ONU sobre clima deveria levar países a revitalizar acordo global para reduzir gases que aquecem o planeta
NADA NO mundo pode
contar com 100% de
certeza, assinalou em
Paris o presidente do
IPCC (painel sobre mudança de
clima criado pela ONU), no lançamento do novo relatório do órgão. Se alguém viaja para uma região com alta incidência de malária, comparou, não deixa de tomar precauções cabíveis por não
ter certeza de que será infectado.
A comparação só não se aplica
de todo aos dilemas sobre o que
fazer acerca do aquecimento global porque combatê-lo custa caro e afetará a economia de vários
setores e países. Até esse impacto, porém, já foi quantificado.
Segundo a "Revisão Stern", estudo coordenado por sir Nicholas Stern a pedido do governo
britânico, o PIB global deixará de
aumentar em até 20% por ano
nos próximos dois séculos caso
nada seja feito para impedir que
a temperatura da atmosfera suba
mais 2C. O documento, de outubro, estima que bastaria 1% do
PIB mundial a cada ano para pagar medidas destinadas a mitigar
o aquecimento que já se observa.
Esse é o cerne do quarto relatório do IPCC: não há mais dúvida razoável de que esteja acontecendo. Tampouco se discute
mais se a queima de combustíveis fósseis e outras atividades
humanas são ou não as maiores
responsáveis pelo fenômeno. O
relatório afirma haver mais de
90% de segurança a respeito.
Veículos, indústrias, termelétricas não-nucleares, desmatamento e até agropecuária lançam na atmosfera os chamados
gases do efeito estufa, como dióxido de carbono (CO2) e metano
(CH4). Tais substâncias dificultam a irradiação, de volta para o
espaço, do calor da Terra aquecida pelo Sol. Como sua concentração no ar cresce desde a época
pré-industrial, o efeito estufa se
agrava, e o clima extrapola seus
limites naturais de variação.
Para os cerca de 2.500 especialistas mobilizados pelo IPCC, já
se registrou com aparelhos um
aquecimento de 0,76C. É certo
que mais 0,4C será acrescido
nos próximo 20 anos. Até o ano
2100, poderão ser 3C ou mais.
Por essas e outras razões, o documento do IPCC dá como "inequívoco" o aquecimento do sistema climático mundial. Secas,
ciclones tropicais e inundações
deverão com isso tornar-se mais
freqüentes. O nível dos mares
subirá até 59 centímetros.
Quem preferir desviar os olhos
para os 10% de incerteza escrupulosamente anotados pelos
cientistas do IPCC estará cometendo um erro se o fizer como
pretexto para defender que se
cruzem os braços. A mudança no
clima veio para ficar, e o sinal enfático contido no relatório deve
ser encarado como um marco: o
custo da inação muito provavelmente será maior que o da ação.
Ninguém espera mais nada da
primeira fase do Protocolo de
Kyoto, acordo internacional que
previa a redução de 5,2% das
emissões de gases do efeito estufa por países mais industrializados até 2012. Com a renitência
dos EUA (o maior poluidor) em
adotá-lo, tornou-se quase letra
morta. O esforço internacional
deve concentrar-se agora no segundo período do tratado.
É imperioso que as novas metas a serem assumidas pela comunidade internacional reflitam a gravidade das constatações e projeções do IPCC.
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