São Paulo, sexta-feira, 04 de fevereiro de 2011

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A lógica perversa das chuvas

ADILSON DE OLIVEIRA e DIANA ROA


Os recursos financeiros para a prevenção são minimizados e o ressarcimento efetivo das perdas é determinado por condições fiscais e políticas


As chuvas se tornaram estigma de tragédia nas regiões urbanas. As inundações e os deslizamentos têm sua origem em assentamentos de risco (40%), na degradação ambiental urbana (25%) e em falhas na infraestrutura (22%).
Só 13% das inundações e deslizamentos são causadas por condições atmosféricas efetivamente adversas (www.desinventar.org). A principal origem dessas catástrofes é a falta de limites (e, em muitos casos, na oferta de incentivos!) para a ocupação de áreas de risco.
Os danos das chuvas vêm crescendo, em vidas humanas (custo imensurável) e em custos econômicos. Os investimentos na redução do risco de catástrofes têm taxa de retorno superior a 50%. No entanto, os gastos com prevenção no período de 2002 a 2010 (R$ 693 milhões) do Rio de Janeiro foram muito inferiores à ajuda do governo às vítimas de deslizamentos e inundações recentes (R$1,57 bilhão).
Ano após ano, passado o trauma dos eventos, as autoridades responsabilizam a natureza pela tragédia e se dedicam a apelar para a solidariedade da população. Como explicar esse comportamento paradoxal?
A responsabilidade pela prevenção das catástrofes não está definida claramente como princípio de gestão pública. O governo oferece um seguro implícito prometendo ressarcimento de perdas com recursos do Orçamento. Mas os critérios que determinarão esse ressarcimento não são claros.
Cria-se ilusão fiscal: os recursos financeiros para a prevenção são minimizados e o ressarcimento efetivo das perdas é determinado por condições fiscais e políticas vigentes no momento da catástrofe.
O comportamento das autoridades diante das catástrofes é regido pela lógica da destruição criativa, em que as catástrofes redefinem prioridades de intervenção pública.
A natureza faz o trabalho sujo de atualizar o risco nas áreas afetadas, criando oportunidades para ganhos econômicos (não para as populações afetadas pela catástrofe!) e, potencialmente, políticos. Essa lógica perversa é incompatível com sociedades democráticas.
Os riscos de catástrofes são uma ameaça latente ao desenvolvimento, pois geram vulnerabilidade fiscal e social. Construir cultura de prevenção não é tarefa fácil.
Os custos são pagos no presente, enquanto os benefícios são recebidos em futuro incerto. As catástrofes não são "dores do parto" do desenvolvimento econômico: resultam de construção social que pretende submeter a natureza ao projeto de desenvolvimento.
A natureza não é um sujeito estúpido que se submete como um autômato à ação humana. Ela é criativa, composta de estruturas ativas e proliferantes. Aceitar essa realidade é o primeiro passo para estabelecer um diálogo racional e produtivo com a natureza.

ADILSON DE OLIVEIRA, 65, doutor em economia pela Universidade de Grenoble (França), é professor do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e diretor-executivo do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da mesma universidade.

DIANA ROA, 28, é mestre em políticas públicas pela Universidade Externado da Colômbia e mestranda do Instituto de Economia da UFRJ.

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