São Paulo, sexta-feira, 04 de março de 2011

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RUY CASTRO

Maxilares em ação

RIO DE JANEIRO - Em Riga, Letônia, há duas semanas, Agars Egle, 42, profissão indefinida, foi morto dentro de um cinema por estar fazendo barulho ao comer pipoca durante uma sessão do filme "Cisne Negro". Sentindo-se incomodado, um vizinho de poltrona, o advogado Nikolajs Zikovs, 27, silenciou-o com um tiro de pistola.
Estava demorando para acontecer. Há 20 anos, os proprietários de cinemas descobriram que havia mais dinheiro a ganhar com a bonbonnière do que com a exibição do filme. Donde os novos pipoqueiros-exibidores decretaram que não seria mais possível assistir a um filme sem esse complemento alimentar, até então facultativo.
Os novos cinemas já nasceram como extensões da máquina de torrar pipoca. Os próprios sacos de pipoca começaram a ser desenhados de forma a crescer até adquirir as dimensões cúbicas de um balde. O desafio era: qual o tamanho máximo possível de um saco de pipoca, capaz de caber no colo do espectador e não atrapalhar a visão da pessoa na poltrona de trás?
Hoje, mesmo que o sujeito tenha jantado antes de sair de casa, ninguém admite passar duas horas olhando para uma tela sem esse renitente movimento mastigatório. Incrível como, nos anos 60, assistimos a filmes como "Hiroshima Meu Amor", de Alain Resnais, ou "A Noite", de Michelangelo Antonioni, sem comer pipoca.
Uma única pessoa mastigando ao nosso lado não deveria causar grande distúrbio. Mas o rumor de centenas de pessoas triturando grãos de pipoca ao mesmo tempo provoca um efeito britadeira, capaz de sufocar o som de qualquer filme. Por isto, os cinemas tiveram de elevar o volume do som aos intoleráveis níveis atuais -para fazer frente ao exército de maxilares em ação.
Fui informado de que, para os padrões contemporâneos, "Cisne Negro" é um filme quase em surdina. Está explicado o crime.


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