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São Paulo, sexta-feira, 04 de abril de 2003

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JOSÉ SARNEY

O dia seguinte

Nada mais didático do que uma boa história, melhor ainda se protagonizada por grandes homens em momentos extremos. Leio que Blair e Bush determinaram às forças que estão no Iraque que matem todos os dirigentes do partido Baath, de Saddam, quando ocuparem cidades. Assim, os líderes e cabeças dirigentes serão eliminados. É uma maneira de tratar os vencidos. Mas não é nova. Recordo a Conferência de Teerã, na Segunda Guerra Mundial, quando, pela primeira vez, se encontraram Stálin, Roosevelt e Churchill. Estavam os três a jantar quando Stálin disse: "O problema alemão pode ser resolvido encerrando e fuzilando os 50 mil mais destacados oficiais e técnicos". Churchill, em suas "Memórias da Guerra", relata o fato e conta sua reação: "O povo inglês e o Parlamento jamais vão tolerar execuções em massa. Eu preferiria ser levado para o jardim aqui, agora, e ser eu mesmo fuzilado a conspurcar minha honra e a de minha pátria numa infâmia dessas". E retirou-se da mesa.
Velhos tempos, outros homens. Podemos comparar a dimensão do grande estadista inglês com a sofreguidão com que o atual primeiro-ministro do Reino Unido se conduz neste momento.
Nenhum profeta poderá dizer o que virá após a guerra do Iraque. Tudo indica que vamos entrar num período do império da força, a voz das armas. E armar-se no mundo atual significa ter armas nucleares. A Coréia do Norte nos dá o primeiro exemplo. Ninguém a ameaça de invasão porque dispõe de artefatos atômicos.
Depois do fracasso da decapitação, será possível vermos modernas armas nucleares, de efeito controlado e limitado, serem estreadas no Iraque. Basta que abril seja marcado por grandes tempestades de areia e as temperaturas se elevem a 50C, prolongando a guerra, para que essas armas apareçam. Para justificá-las, surgirá a especulação de que a defesa de Bagdá vai utilizar armas químicas. Putin alertou sobre isso. Onde há fumaça, diz o ditado, há fogo.
Essas hipóteses estão na cabeça de estrategistas especuladores, pois Bush já mostrou que seus limites não têm limites.
Em relação ao Brasil, esse novo período crítico nos aponta três pontos sensíveis. A Alca, que é a expansão dos ativos intangíveis americanos, isto é, o conhecimento competitivo de que não dispomos, começará a negociação em clima de temor reverencial. O perigo crescerá se Menem se tornar de novo presidente da Argentina. Sua campanha é realizada à base da tal "relação carnal com os EUA". O segundo ponto será a sensível tríplice fronteira Paraguai, Brasil e Argentina, apontada com recato como vulnerável a refúgio terrorista. Qualquer episódio nessa região terá intervenção imediata, com ou sem concordância dos países lindeiros. O terceiro ponto será a Amazônia, que será área de tutela verde.
Assim, vamos nos preparar para o após-guerra com as orelhas em pé e um olho no padre e outro na missa.
E, para completar, ainda temos a pneumonia de Hong Kong!


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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