São Paulo, sexta-feira, 04 de abril de 2008

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JOSÉ SARNEY

Doutor Subdeó

IA ESCREVER sobre esse Aedes aegypti, que há séculos persegue o Rio de Janeiro, transmitindo febre amarela e dengue e espalhando o medo e o pânico. Teve um inimigo mortal, Oswaldo Cruz, que trouxe da experiência cubana o método para tornar a então capital do Brasil um modelo internacional de saneamento. Esse assunto merece análise e espaço maiores para avaliar responsabilidades e soluções.
Aí li o artigo de ontem do Kenneth Maxwell, aqui na Folha, e me rendi a amenizar este artigo com o tema de os doutores americanos não poderem ser tratados de doutores na Alemanha. Aqui no Brasil, "seu dotô" é uma fórmula de lisonja e tratamento. Era título restrito a bacharéis em direito e medicina.
Nas outras áreas, havia apenas diplomados -em economia, sociologia, geografia e em tudo. Meu avô tinha por ambição ter um filho doutor. Mandou com grande sacrifício formar meu pai.
Um dia chegou à sua casa um portador e perguntou: "É aqui a casa do Sarney?". Meu avô respondeu: "Não, esta casa é do "capitão" José Costa, o doutor Sarney é meu filho e mora comigo".
Na doença de Tancredo Neves, o médico que o assistia queria ser tratado de professor-doutor nos comunicados oficiais sobre o estado de saúde do presidente. Já na rua, se as pessoas usam paletó, se pede "dê licença, seu dotô". E, na música popular, o doutor foi consagrado nos sambas do Moreira da Silva.
No Maranhão, formar um filho vindo do interior e nascido numa pequena cidade era uma festa e entrava no status do município. Meu avô tinha um livro de notas que relacionava todos os doutores de São Bento, e o mostrava com orgulho.
Em Barra do Corda, teve um caso célebre de um doutor que, voltando da faculdade, foi recebido com uma festa tão grande na cidade que, para ser maior, assaram um boi inteiro, num tronco reforçado para o atravessar e resistir ao fogo.
Ouviu o discurso de saudação, que ressaltava os seus méritos extraordinários. Para sua resposta, perguntou ao pai: "Em que língua querem ouvir o meu discurso?". O velho, orgulhoso, mas parco de letras, pediu: "Nas matemáticas...".
Mas, para tratar mesmo do orgulho de ser doutor, devo dizer que antigamente o maior título no Nordeste era "delegado". Em São Bento, outro amigo de meu avô apresentou-se: "Bernardo Bermudes Ferreira Guterres, subdeó do Gama (um povoado)". "O que você é?". "Subdeó". E mostrou a nomeação. Era subdelegado do Gama. Só que o título estava abreviado: "Nomeio Sub-Do do povoado Gama o senhor Bernardo...". Era mais do que doutor nos Estados Unidos ou na Alemanha.


jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY
escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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