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JOSÉ SARNEY
Doutor Subdeó
IA ESCREVER sobre esse Aedes
aegypti, que há séculos persegue o Rio de Janeiro, transmitindo febre amarela e dengue e espalhando o medo e o pânico. Teve
um inimigo mortal, Oswaldo Cruz,
que trouxe da experiência cubana
o método para tornar a então capital do Brasil um modelo internacional de saneamento. Esse assunto merece análise e espaço maiores
para avaliar responsabilidades e
soluções.
Aí li o artigo de ontem do Kenneth Maxwell, aqui na Folha, e me
rendi a amenizar este artigo com o
tema de os doutores americanos
não poderem ser tratados de doutores na Alemanha. Aqui no Brasil,
"seu dotô" é uma fórmula de lisonja e tratamento. Era título restrito
a bacharéis em direito e medicina.
Nas outras áreas, havia apenas diplomados -em economia, sociologia, geografia e em tudo.
Meu avô tinha por ambição ter
um filho doutor. Mandou com
grande sacrifício formar meu pai.
Um dia chegou à sua casa um portador e perguntou: "É aqui a casa
do Sarney?". Meu avô respondeu:
"Não, esta casa é do "capitão" José
Costa, o doutor Sarney é meu filho
e mora comigo".
Na doença de Tancredo Neves, o
médico que o assistia queria ser
tratado de professor-doutor nos
comunicados oficiais sobre o estado de saúde do presidente. Já na
rua, se as pessoas usam paletó, se
pede "dê licença, seu dotô". E, na
música popular, o doutor foi consagrado nos sambas do Moreira
da Silva.
No Maranhão, formar um filho
vindo do interior e nascido numa
pequena cidade era uma festa e entrava no status do município. Meu
avô tinha um livro de notas que relacionava todos os doutores de São
Bento, e o mostrava com orgulho.
Em Barra do Corda, teve um caso
célebre de um doutor que, voltando da faculdade, foi recebido com
uma festa tão grande na cidade
que, para ser maior, assaram um
boi inteiro, num tronco reforçado
para o atravessar e resistir ao fogo.
Ouviu o discurso de saudação, que
ressaltava os seus méritos extraordinários. Para sua resposta, perguntou ao pai: "Em que língua querem ouvir o meu discurso?". O velho, orgulhoso, mas parco de letras,
pediu: "Nas matemáticas...".
Mas, para tratar mesmo do orgulho de ser doutor, devo dizer que
antigamente o maior título no
Nordeste era "delegado". Em São
Bento, outro amigo de meu avô
apresentou-se: "Bernardo Bermudes Ferreira Guterres, subdeó do
Gama (um povoado)". "O que você
é?". "Subdeó". E mostrou a nomeação. Era subdelegado do Gama. Só
que o título estava abreviado: "Nomeio Sub-Do do povoado Gama o
senhor Bernardo...". Era mais do
que doutor nos Estados Unidos ou
na Alemanha.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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