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São Paulo, domingo, 04 de maio de 2003

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

A volta da bicicleta

Nada poderia ser mais catastrófico para o Brasil se, neste início de ano, tivesse ocorrido mais um daqueles conhecidos e nefastos ataques especulativos. A esta altura, investidores e poupadores estariam recusando a moeda nacional, correndo para o dólar e gerando uma terrível desorganização econômica e social.
Felizmente vivemos o inverso disso! Nos quatro primeiro meses, o Brasil acumulou um superávit na balança comercial de US$ 4 bilhões -e espera-se chegar a dezembro com US$ 16 bilhões. A dívida pública (indexada em dólar) reduziu-se drasticamente. A entrada colossal de dólares derrubou o seu valor de R$ 4 para menos de R$ 3. Os preços dos combustíveis vão baixar. A inflação tenderá a cair. Enfim, o clima é de confiança.
Por que, então, o emprego não cresce? Por uma razão muito simples. Emprego depende de investimentos em setores produtivos. Os dólares que aqui chegam querem apenas especular, são aplicados no curtíssimo prazo e estão sempre preparados para sair.
Estimativas de um grande banco registram que a entrada desses capitais nos dois primeiros meses de 2003 aumentou 80% em relação ao mesmo período do ano passado. Eles não têm nada a ver com os investimentos diretos que se destinam à produção. Estes atingirão quando muito a casa dos US$ 12 bilhões até dezembro -quando, na realidade, o Brasil precisaria de US$ 20 bilhões.
E por que essa corrida frenética em direção ao Brasil? Porque lá fora o ambiente ficou desfavorável para os especuladores. Quando se juntam guerra, escândalos de balanços, quedas nas Bolsas e juros negativos (como ocorre nos Estados Unidos, na Europa e no Japão), é claro que os espertalhões ficam ouriçados ao ver na sua frente um Brasil que paga mais de 10% dos juros reais -garantidos pelo governo e ancorados em uma política que oferece ampla liberdade para especular, para faturar e para embolsar.
O Brasil deu um importante primeiro passo ao afastar a desconfiança dos jogadores do mercado financeiro. Chegou a hora de construirmos a confiança entre os que querem ajudar o país a expandir substancialmente a produção e as exportações. Poderíamos estar exportando US$ 100 bilhões, US$ 120 bilhões ou até mesmo US$ 150 bilhões por ano. Afinal, a Rússia exporta US$ 103 bilhões, a Malásia, US$ 90 bilhões, e a Tailândia, quase US$ 80 bilhões. Por que o Brasil, grande e diversificado, fica na casa dos US$ 60 bilhões, menos de 1% das exportações mundiais?
Devagar com as comemorações. Fiquemos de olho! A euforia é mais do mercado financeiro do que do mundo da economia real. Isso não é bom. A excessiva volatilidade no câmbio é favorável para quem usa o dólar como moeda de jogo, e não como moeda de produção.
O Brasil precisa contar com capitais externos que entrem como parceiros, e não como especuladores, que ficam à espreita do primeiro espirro para abusar das fraquezas de um doente debilitado.
Ninguém quer proibir o livre trânsito de capitais, mas não se pode dar asas a quem se viciou na especulação. Abaixo as bicicletas financeiras...


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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