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São Paulo, domingo, 04 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Em busca do cientista cidadão

GLACI ZANCAN


Faltam mãos e cérebros para a enorme tarefa de trazer as ciências e a matemática para o centro do sistema educacional

Ao criarem , em 1948, uma sociedade voltada para a promoção da ciência, os biólogos paulistas definiram o caminho da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) ao longo de sua trajetória: uma sociedade apartidária, aberta à comunidade, nacional em sua estrutura dirigente, multidisciplinar em sua atuação e dependente de doações para suas atividades.
A leitura atenta de sua história mostra que, desde o início, suas reuniões anuais foram palco de apaixonadas discussões entre velhos pioneiros e jovens ávidos pelo conhecimento sobre como a ciência gerada no país contribuiria para o desenvolvimento nacional.
Em face do ambiente hostil à livre manifestação das idéias nas universidades, durante o regime militar, a maioria dos cientistas se fechou em seus laboratórios, mas a discussão corajosa da realidade política e social do país continuou a ser feita na SBPC, que se tornou uma referência da sociedade civil.
Coincidentemente, naquela época, o crescimento das diferentes áreas do conhecimento fez com que grupos de pesquisadores passassem a realizar reuniões especializadas, em ambientes restritos, que possibilitassem o aprofundamento técnico dos temas. A ciência brasileira cresceu e mais sociedades especializadas surgiram.
A redemocratização do país coincidiu com a limitação de recursos para a pesquisa, levando a uma competição cada vez maior entre os grupos existentes. Com isso, boa parte do tempo dos pesquisadores passou a ser consumido na busca de recursos, alienando-os da discussão maior, que é a da responsabilidade das elites intelectuais na condução do país. Essa posição se refletiu profundamente na formação das novas gerações, que se colocaram à margem das discussões de políticas públicas em que a ciência é fundamental.
Enquanto isso, as lideranças da SBPC tiveram influência significativa na elaboração do texto da Constituição de 1988 e passaram a buscar novas formas de adequar a sociedade à nova realidade social e política do país. Nesse contexto, surgiram os novos veículos de divulgação científica e de comunicação impressa e eletrônica da instituição. Além disso, um esforço permanente tem buscado congregar as sociedades científicas na estrutura funcional da entidade -hoje, estão associadas à SBPC 65 sociedades, abrangendo todas as áreas do conhecimento.
Contudo o efetivo envolvimento dos cientistas nas atividades de todo o sistema é pequeno. Na realidade, faltam mãos e cérebros para a enorme tarefa de trazer as ciências e a matemática para o centro do sistema educacional e das demais atividades públicas em que elas são fundamentais.
O avanço explosivo do conhecimento e o encurtamento da distância temporal entre as descobertas científicas e suas aplicações fazem com que, hoje, não seja mais possível o cientista permanecer fechado em seu trabalho individual ou na convivência de seus pares em sociedades especializadas. É preciso que ele amplie o seu leque de atuação. A organização dos cientistas, socialmente comprometidos, requer um voluntariado ético e responsável, voltado para o coletivo e destituído de ambições pessoais.
O Brasil mudou e as instituições precisam se adaptar à nova ordem mundial, que tem na ciência e na divulgação do conhecimento uma de suas forças propulsoras.
A SBPC, que cativou a população ao lutar pela liberdade de expressão durante a ditadura, precisa ampliar seu voluntariado e contar com as novas gerações na batalha pela inserção da ciência no cotidiano dos brasileiros. Só assim será possível eliminar as desigualdades que marcam a sociedade brasileira.


Glaci Zancan, 68, professora titular de bioquímica da UFPR (Universidade Federal do Paraná), ex-presidente da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular, é presidente da SBPC.


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