São Paulo, quarta-feira, 04 de maio de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Cariocas e fluminenses

PAULO RABELLO DE CASTRO

Não deve causar estranheza o alarido raivoso de políticos em posição de mando na cidade e no Estado do Rio de Janeiro em reação à campanha por uma consulta popular em torno da recriação do Estado da Guanabara, cassado, em 1975, por iniciativa de Ernesto Geisel, com a complacência do Congresso. Não tendo havido consulta nem referendo popular na ocasião, a cassação política da Guanabara ficou sem anistia até hoje.


Os políticos que concorrem a cargos eleitorais têm do que reclamar, pois a desfusão, ao invés de criar postos eletivos, elimina-os


O ex-governador Garotinho, do Rio de Janeiro, veio a este espaço para reverberar seu protesto contra uma suposta manobra separatista endereçada a ele ("A manobra separatista", 1º/5). Os políticos costumam ser auto-referentes. Acha que a "manobra" seria de uma elite separatista, da orla da praia do Rio, contra o "povo escolhido", por ele liderado, ao lado de sua esposa, a governadora Rosinha. Então acusa Nelson Motta de ser o arauto desse separatismo contra o "poeirento" Estado do Rio, referência que o colunista fizera sobre um quadro sociopolítico de 30 anos atrás, quando da fusão sem consulta.
O ex-governador tem toda a razão de chiar. Aliás, como me disse uma espertíssima raposa política do Rio: "Vocês nos criaram um problemão com essa história de desfusão".
A velha raposa está certa. Os políticos que concorrem a cargos eleitorais têm do que reclamar, pois a desfusão, feitas as contas, ao invés de criar postos eletivos, elimina-os, embora de leve. A razão é simples. O Rio, voltando a ser cidade-Estado, como fora previsto em todas as Constituições republicanas, desde a de 1891 (exceto a ditatorial de 1937), apenas transformará sua Câmara Municipal em Assembléia Legislativa (com alguns postos a menos), e o prefeito virará governador. As estruturas administrativas do atual Estado serão repartidas, assim como as receitas fiscais. Os royalties do petróleo já estão alocados ao RioPrevidência e bancarão o déficit bilionário dos servidores inativos estaduais.
A relativa simplicidade dessa reversão ao que era antes -e nunca deveria ter deixado de ser- é que choca os políticos de plantão, cujos discursos salvacionistas (sem deboche) ficam de fato prejudicados, quando não feridos de morte, pela idéia generosa do futuro que a recriação da Guanabara traria não só para cariocas, mas sobretudo para os cidadãos da Baixada, que ganharão mais um governador "in pectore", o da cidade-Estado, e poderão postular, mais adiante, sua anexação ao novo Estado.
Portanto o sr. Garotinho está certíssimo em bater pé e fazer birra, porque seus planos políticos ficam algo prejudicados. Mas está erradíssimo em achar que o movimento é separatista, de uma elite que quer afundar a brilhante gestão dele, de quase oito anos (computando, com todo o respeito, a gestão da esposa). Está errado porque o Rio de Janeiro já exportou, em grande medida, sua elite para São Paulo e alhures.
Não se trata de separatismo. Cariocas são o que são e fluminenses são os que estão no território histórica e economicamente influenciado pelo grande e sofrido rio Paraíba do Sul, que desemboca nos Campos dos Goytacazes, terra do ex-governador. Sergipe é dos sergipanos e Alagoas, embora perto, é outra coisa. Idem, se falarmos de catarinenses e gaúchos, embora suas fronteiras se beijem com carinho. Além do mais, quem disse que a fusão nos fundiu? O trocadilho basta. A separação política de nossa cidade-Estado propiciaria a energização econômica, o dinamismo à região metropolitana da Baixada que a atual política de pólos industriais não conseguiu criar, apesar de não ser política de Garotinho, mas de todos os governadores desde o sr. Faria Lima.
Assim, não adianta o ex-governador ficar lembrando do pólo automobilístico de Resende, nem do petróleo de Campos, nem das siderúrgicas próximas do Rio ou da fruticultura do norte do Estado, pois sabemos bem ser a taxa de desemprego da Baixada, ou dos morros do Rio, totalmente insensível -"inelástica", para os economistas- a estruturas de enclaves industriais, que até podem aumentar o PIB do Estado, mas não dão resposta aos desempregos terciários nem às chacinas.
O Rio "Cidade Maravilhosa" está literalmente morrendo. Consternados, os brasileiros percebem isso e o lamentam. O que todos percebemos e que mostram as estatísticas que Garotinho não viu é que o PIB da cidade do Rio não tem crescido mais do que 0,4% ao ano (é isso mesmo!) nos últimos dez anos. Vem definhando pela perda de seus principais talentos autoexportados, as suas indústrias de serviços que foram embora; o mercado financeiro idem e, sobretudo, sua auto-estima, decaída.
Os cariocas que agora se levantam em prol do Rio são os que pedem a ajuda de todo o Brasil numa corrente inteligente para resgatar o Rio para si mesmo e para todos os brasileiros. A razão de ser do movimento em favor de uma consulta popular pela recriação do Rio cidade-Estado já teve efeito: você leu este artigo até o final e formará sua opinião através do debate em torno da consulta.

Paulo Rabello de Castro, 56, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também o conselho da consultoria GRC Visão e é colunista do caderno Dinheiro.


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