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ELIANE CANTANHÊDE
Quem late, quem morde
BRASÍLIA - A grande dúvida que já percorre o governo Lula e a diplomacia brasileira é se Evo Morales é uma
entidade autônoma ou se é uma subentidade a serviço de Hugo Chávez,
o maior ídolo da esquerda latino-americana depois de Fidel Castro.
Chávez é daquele tipo que late, mas
não morde. Acusa o presidente George Bush até de "ladrão" e vive às turras com os embaixadores americanos
em Caracas, mas não quebrou um só
contratinho com os EUA, o melhor
mercado venezuelano.
Ele pode, muito bem, estar botando
Morales para morder no seu lugar. E
-o que é pior- morder o Brasil e os
interesses brasileiros na Bolívia numa área sensível: petróleo e gás. É essa a fonte de poder (e de coragem) de
Chávez, com sua PDVSA (a Petrobras venezuelana).
E se Morales estiver virando as costas para a Petrobras para virar de
frente para a PDVSA? E se Chávez
desistiu da tal aliança de esquerda
com Lula e passou a optar por Morales, Kirchner e, daqui a pouco, com o
candidato favorito no Peru, Ollanta
Humala? Onde Lula se encaixa?
Morales enrolou dias para assinar
o tal decreto de nacionalização, e o
fez justamente depois de animado
encontro com Fidel e Chávez. Difícil
imaginar que não tenha tocado no
assunto nem avisado que jogaria o
Exército nas refinarias brasileiras.
Planalto e Itamaraty podem estar errando ao tentar minimizar o ataque,
as perdas e os seus significados.
O movimento de Morales é surpreendente -pela ousadia. A Bolívia tem gás, mas será que Morales
tem gás político para enfrentar tudo e
todos só com Fidel e Chávez? Ao romper contratos unilateralmente, ao se
recusar a negociar e ao usar o Exército como ator de destaque no teatro
nacionalista, ele pode estar isolando
a Bolívia do resto do mundo.
Num primeiro momento, é festa para boa parte do povo boliviano, cansado da espoliação. Com o tempo, pode ser devastador para o país, para os
empregos, para o desenvolvimento.
Enfim, para o próprio povo.
@ - elianec@uol.com.br
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