São Paulo, quinta-feira, 04 de maio de 2006

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ELIANE CANTANHÊDE

Quem late, quem morde

BRASÍLIA - A grande dúvida que já percorre o governo Lula e a diplomacia brasileira é se Evo Morales é uma entidade autônoma ou se é uma subentidade a serviço de Hugo Chávez, o maior ídolo da esquerda latino-americana depois de Fidel Castro.
Chávez é daquele tipo que late, mas não morde. Acusa o presidente George Bush até de "ladrão" e vive às turras com os embaixadores americanos em Caracas, mas não quebrou um só contratinho com os EUA, o melhor mercado venezuelano.
Ele pode, muito bem, estar botando Morales para morder no seu lugar. E -o que é pior- morder o Brasil e os interesses brasileiros na Bolívia numa área sensível: petróleo e gás. É essa a fonte de poder (e de coragem) de Chávez, com sua PDVSA (a Petrobras venezuelana).
E se Morales estiver virando as costas para a Petrobras para virar de frente para a PDVSA? E se Chávez desistiu da tal aliança de esquerda com Lula e passou a optar por Morales, Kirchner e, daqui a pouco, com o candidato favorito no Peru, Ollanta Humala? Onde Lula se encaixa?
Morales enrolou dias para assinar o tal decreto de nacionalização, e o fez justamente depois de animado encontro com Fidel e Chávez. Difícil imaginar que não tenha tocado no assunto nem avisado que jogaria o Exército nas refinarias brasileiras. Planalto e Itamaraty podem estar errando ao tentar minimizar o ataque, as perdas e os seus significados.
O movimento de Morales é surpreendente -pela ousadia. A Bolívia tem gás, mas será que Morales tem gás político para enfrentar tudo e todos só com Fidel e Chávez? Ao romper contratos unilateralmente, ao se recusar a negociar e ao usar o Exército como ator de destaque no teatro nacionalista, ele pode estar isolando a Bolívia do resto do mundo.
Num primeiro momento, é festa para boa parte do povo boliviano, cansado da espoliação. Com o tempo, pode ser devastador para o país, para os empregos, para o desenvolvimento. Enfim, para o próprio povo.

@ - elianec@uol.com.br


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