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Milonga desafinada
JOSÉ SARNEY
Nunca é demais explicitar o que se
esconde atrás da proposta de dolarização. A primeira de todas é uma adesão
de renúncia ao destino nacional. É a
confissão do fracasso do país, incapaz
de manter um dos mais importantes
instrumentos de soberania: ter sua
própria moeda. Algumas vezes mudamos o nome da moeda, faz parte das
vicissitudes econômicas, mas não renunciamos a ter uma moeda. Nem no
tempo da colonização as moedas nacionais desapareceram; conviviam
com as da metrópole e tinham seus
parâmetros de conversão.
Na América Latina, temos um país
que não tem moeda, aliás tem o dólar
como moeda. Será que Brasil e Argentina vão juntar-se ao Panamá, ser o
Panamá do Sul?
A Europa, para não renunciar à sua
identidade, ela que é prioridade de invasão da área do dólar e da universalização do inglês, resiste e cria uma
moeda de reserva, o euro, que tem a
finalidade de justamente ser o contrário da dolarização, uma outra opção
que não o dólar.
A pregação da dolarização do Cone
Sul é pedir o atrelamento total, incondicional, subserviente e impatriótico
dos nossos países ao comando dos Estados Unidos. Em vez de parceiros,
com a carga histórica de nossas identidades e convergências, relações maduras e altivas, teremos relações de
dependência, sem condições de opinar nem ponderar.
Os que assim pensam têm uma visão
imediatista, de um pragmatismo fugaz, sem a dimensão histórica de nossas nacionalidades. O objetivo qual é?
O de fugir às turbulências de um mercado globalizado. Isso não é solução
de Estado. É politicagem.
Perón, que não é autor do meu agrado, mas que tem o seu partido justicialista ainda no governo, na década
de 50, premido por dificuldades, disse
na Escola Militar de Buenos Aires:
"Esses senhores de olhos verdes e cabelos ruivos disseram-me que, se eu
adotasse sua linha, seria lembrado e
glorificado no mundo civilizado".
Respondeu: "Prefiro ser esquecido e
ultrajado lá a ser "filho da p... em minha pátria!". Transcrevo com a linguagem chula que usou.
O governo atual argentino, não o
povo, está com uma sedução imensa
de concretizar aquilo que o chanceler
Tella afirmou: "Relações carnais com
os Estados Unidos", isto é, atrelamento político. Com o Brasil, relações
econômicas. Ora, o que nós, povo latino-americano, desejamos é uma integração para a formação de um Mercado Comum, com políticas macroeconômicas conjuntas, representativas
de nossas soberanias, e não a renúncia
às nossas identidades. O Mercosul é
esse sonho realizável. Fugir dele para
entrar no guarda-chuva da Otan e ficar sob a proteção de Wall Street é sonho de exportador de vento, e não de
estadistas dignos desse nome.
Será que o presidente Fernando
Henrique desejaria passar à história
como "o governo que teve a grandeza
de fazer do dólar moeda brasileira"?
Quem o conhece sabe que não. O Brasil não tem motivos para desacreditar
no grande futuro, tampouco para julgar que a América Latina não tem direito de ser um grande espaço econômico e político. Somos a única área do
planeta pronta para ter os anos dourados do século 21.
Isso não se faz com pessimismo,
submissão e milongas desafinadas.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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