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MARINA SILVA
Nas mãos da Justiça
HÁ COISAS em nossa casa
que prezamos muito. Mas,
se um incêndio ameaçá-la,
deixamos tudo de lado e nos agigantamos para chegar até o quarto
e salvar os filhos.
Alguns temas da vida nacional
são comparáveis ao quarto dos filhos porque guardam o fundamento, o profundo, o que separa o essencial do apenas importante. Às
vezes não é fácil percebê-los, pois
falta sensibilidade e sobra pragmatismo. A diversidade cultural é um
deles. Está no cerne da identidade
brasileira e, de alguma forma, nos
orgulhamos dela e a exibimos em
expressões artísticas, esportivas,
em imagens, natureza e história.
Em algumas situações, porém,
acaba-se salvando o enfeite da sala
em prejuízo do quarto dos filhos. E,
nesse passo, vamos comprometendo nossa continuidade, perdendo
elos que nos tornam únicos e definem nosso peculiar pertencimento
no mundo. Digo isso a propósito da
proximidade de momento de enorme significado para o país: a decisão do Supremo Tribunal Federal
sobre a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol em área
contínua. Não nos iludamos; está
em jogo não apenas uma pendenga
entre índios e não-índios na sociedade de Roraima. Quem está na
berlinda são todos os brasileiros,
em sua capacidade de proteger, pelas mãos do Estado, a preciosa esfera dos valores culturais e imateriais
da nação.
A população de Roraima não
chega a 400 mil habitantes. Para os
cerca de 350 mil não-índios há
quase 11 milhões de hectares de
terras disponíveis, diz estudo do
Instituto Socioambiental. Comparando, Pernambuco tem 9,8 milhões de hectares para cerca de 8
milhões de habitantes.
A defesa das nossas fronteiras na
Amazônia sempre receberam
grande contribuição das comunidades indígenas. Por exemplo, pela
incorporação de seus jovens ao
Exército para ações em áreas aonde ninguém quer ou sabe ir.
Assim, não há razão concreta, de
natureza social ou de segurança,
para desconstituir a terra indígena
Raposa Serra do Sol. A decisão do
Supremo, seja qual for, dirá algo relevante sobre o compromisso do
Estado na defesa de uma das principais raízes de nossa identidade
cultural, e sobre seu dever de protegê-la, mesmo contrariando interesses ou remando contra marés
de incompreensão momentâneas.
O Estado brasileiro vem a duras
penas tentando dar conta de seu
dever na questão indígena. A Constituição de 1988 foi o grande teste
do Legislativo. O Executivo vem
tomando medidas importantes,
embora acumule enorme passivo.
Agora, está nas mãos do Judiciário.
Este é, talvez, o teste mais importante até aqui porque ratificará o
que foi alcançado ou abrirá um caminho de grave retrocesso.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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