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MARCOS NOBRE
Forças Armadas
QUANDO SE mistura política
e militarismo, a democracia
costuma balançar. Foi o que
se viu na nota do comandante do
Exército, general Enzo Martins Peri. O texto considera que colocar
em questão a Lei da Anistia importaria em "retrocesso à paz e à harmonia nacionais, já alcançadas".
O lapso gramatical ("retroceder
a" significa "voltar a") não é importante por si mesmo, mas por levantar dúvidas sobre a posição que o
Exército entende ter na democracia brasileira. Afinal, por que o simples "colocar em questão" de uma
lei destruiria "a paz e a harmonia
nacionais"?
A criação do Ministério da Defesa, sob o governo FHC, foi um
avanço importante. Mas, até agora,
apenas no papel. O ministro Nelson Jobim, como todos os anteriores, não tem poder nem mesmo sobre a Anac. Quando diz "o comandante sou eu", está apenas fazendo
uma bravata.
O confronto em torno do livro-relatório oficial "Direito à Memória e à Verdade" foi ele mesmo uma
sucessão de bravatas. O ministro
diz que "não haverá indivíduo que
possa reagir", o Exército reage e o
ministro recua, posicionando-se
contra a revisão da Lei da Anistia.
Para arrematar, o ex-presidente do
STF disse que esse era um "problema do Judiciário".
As vítimas da ditadura de 1964 e
seus descendentes recorreram ao
Poder Judiciário como instância
reparadora porque não conseguiram por outro modo que integrantes das Forças Armadas viessem
enfrentar no debate público as acusações que lhes são dirigidas. Mas
nem mesmo aí conseguem esse objetivo elementar de qualquer democracia porque o recurso aos tribunais militares está sempre à mão
para bloquear a discussão pública.
A nota do Alto Comando afirma
que, ao longo da história, "temos sido o mesmo Exército de Caxias".
Mas não explica como um duque
inteiramente comprometido com
a monarquia em 1865 pode expressar o mesmo Exército de Deodoro e
Floriano na proclamação da República ou de Góes Monteiro, sustentáculo da ditadura do Estado Novo.
Ou de Lott, que, em 1955, garantiu
a posse de JK, ou dos generais golpistas de 1964.
Ao se entender assim, o Alto Comando se recusa a refletir em público sobre a sua própria história e
sobre os diferentes papéis que desempenhou ao longo do tempo.
A nota diz que "os fatos históricos têm diferentes interpretações,
dependendo da ótica de seus protagonistas".
Falta agora que o Exército venha
a público dizer qual é a sua, se é que
há mesmo uma única interpretação no interior da corporação. Enquanto as Forças Armadas se recusarem ao diálogo franco e aberto,
não há perspectiva de alcançar a
"paz e a harmonia" que também
desejam.
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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