São Paulo, quarta-feira, 04 de outubro de 2000

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Educação "para a distância"? Nunca!


A educação à distância é a tecnologia da esperança; mas deve-se cuidar para que ela não sirva de forma de dominação


ARNALDO NISKIER

A modalidade da educação à distância não é propriamente uma novidade na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (lei nš 9.394/96). Desde o início da década de 70, por inspiração do então ministro Jarbas Passarinho e das ações objetivas do educador Newton Sucupira, ouve-se falar no assunto.
Na lei brasileira, entretanto, foi a primeira vez que se fez referência à modalidade, conhecida no mundo desenvolvido desde o século passado. Como sempre, chegamos atrasados. Hoje, o Conselho Nacional de Educação está firmando critérios rigorosos para o credenciamento de instituições capazes de utilizar a educação à distância, procurando valorizar, nesse empenho, a tradição de quem já se encontra no mercado, embora de forma difusa.
Fica difícil entender, no mundo caracterizado pelas maravilhas da sociedade da informação, possíveis resistências ao emprego da EAD. O fato de ainda exibirmos a estatística de 16 milhões de analfabetos já seria motivo bastante para a utilização de tecnologias educacionais, hoje disponíveis para a educação, como os vídeos, as TVs digitais, os computadores e a assombrosa Internet.
Se fosse necessário um segundo exemplo, citaríamos a reduzida qualificação da nossa força de trabalho. Temos 74 milhões de brasileiros na PEA (População Economicamente Ativa). Somente 9% desse total acessam programas de educação profissional de forma regular. O que é pior: com menos de quatro anos de escolaridade média. Deseja-se matricular cerca de 20% da PEA em educação profissional, o que justifica uma grande reforma do ensino médio. A vertente da formação profissional, expressa no decreto nš 2.208/97, apresenta uma incrível potencialidade, tanto que cresce enormemente a matrícula no ensino médio, de um modo geral. Nos últimos quatro anos, houve um incremento de 1,5 milhão de estudantes. Já imaginaram o impacto desse número no ensino superior?
Vem aí o Plano Nacional de Educação, uma exigência constitucional que agora se cumpre com a participação solidária de Estados e municípios. Na fase de discussão do PNE, sugerimos à professora Eunice Durham, do CNE (Conselho Nacional de Educação), que utilizasse não apenas os recursos da TV Executiva, mas também a rede de TVs educativas hoje vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, além da Rádio MEC. Dando caráter interativo a esse esquema, pode-se conhecer, de forma inédita, o pensamento de professores e de especialistas do Brasil inteiro. Isso para um planejamento que contemple os anseios e as reivindicações das bases, afastando o indesejável caráter centralizador de outros projetos nacionais.
Da mesma forma que aconteceu com as idéias de Jean Piaget -quando houve uma grande discussão sobre se elas constituiriam um método ou uma teoria, com clara propensão para a segunda hipótese-, a educação à distância inspirou uma série de conceitos aparentemente díspares: tratar-se-ia de modalidade, de metodologia ou de tecnologia?
Sem entrar no mérito da questão etimológica, sem dúvida a EAD pode ser apresentada como a tecnologia da esperança. Há uma expectativa positiva de que possamos representar um reforço considerável à política de recursos humanos de nações interessadas no progresso e que dependerão dessa modalidade para alcançar uma aprendizagem construtiva.
Ampliou-se a noção de ensino, antes centrada somente na precária sala de aula, para alternativas audaciosas, representadas pela entrada em cena, a partir da década de 80, de satélites, vídeos, microcomputadores e correio eletrônico. É como se transformássemos o mundo da fantasia em realidade. A habilidade profissional antes buscada nas universidades tradicionais, por métodos convencionais, cede espaço, felizmente, para ações de treinamento técnico em órgãos governamentais, no comércio, na indústria, nas profissões, ensejando um claro aperfeiçoamento em virtude da apropriação rápida de noções enriquecedoras.
Textos são difundidos por meios eletrônicos -como faz o Centro Universitário Carioca quando coloca a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e seus desdobramentos a serviço de professores e especialistas, no projeto "Univir"-, substituindo a solidão de mestres, servindo apenas a um pequeno grupo de estudantes, por um sistema em que faculdades de diversas instituições trocam experiências entre si, com proveito geral. Essa é a educação de amanhã, que hoje se vislumbra com nitidez. Quem fugir a essa interatividade, mantendo padrões antigos, estará condenado à superação inexorável.
Os sistemas tecnológicos orientados para a educação devem servir para a atualização do nosso trabalhador, ampliando suas oportunidades de emprego, hoje em crise. Ao estabelecer-se essa cultura planetária, que tem lá os seus riscos, deve-se levar em conta que jamais poderá ela servir de instrumento de dominação. Os desvios poderiam ensejar o que ninguém pretende, ou seja, expandir de forma lamentável uma "educação para a distância".
A história da teleducação brasileira nasceu há muitos anos, numa época em que nem a mais fértil imaginação poderia prever os recursos hoje existentes. Quando se fala em educação interativa à distância, por exemplo, com base no emprego de satélites de telecomunicações, quem poderia supor que houvesse tamanha oferta mundial de teleconferências, reunindo universidades dos mais distantes rincões? A interatividade significa debate em tempo real, o que antes seria impossível estimar.
Ainda não dispomos de uma política nacional de educação à distância, o que é bem sintomático. O professor Walter Garcia estima que, em dez anos, teremos cinco vezes mais alunos de educação à distância do que os que se encontram hoje frequentando os cursos presenciais. Isso quer dizer que o Brasil terá, relativamente em pouco tempo, cerca de 10 milhões de alunos nos cursos à distância.
O que se espera é que os materiais de apoio sejam de boa qualidade e que se processe um aprendizado coletivo, cooperativo, como é próprio dessa modalidade, que está longe de poder ser confundida com um supletivo de segunda categoria. Aliás o professor Carlos Alberto Serpa de Oliveira, do CNE, chamou a atenção para a necessidade de qualificação de corpo docente longe dos métodos tradicionais, com o pleno emprego da educação à distância, na qual ele diz "confiar totalmente".


Arnaldo Niskier, 64, educador, é membro da Academia Brasileira de Letras e diretor do Instituto Metropolitano de Altos Estudos (SP). Foi secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro (1968-1971).



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