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TENDÊNCIAS/DEBATES
A eutanásia deveria ser legalizada?
NÃO
Dizer adeus à vida com dignidade
LÉO PESSINI
Buscamos incansavelmente a felicidade de viver muito tempo com
dignidade, e não apenas sobreviver. Fazemos de tudo para combater a doença,
a dor, o sofrimento e vencer a própria
morte. Estamos cada vez mais aparelhados pelas inovações tecnológicas nessa
empreitada. Num lance de "ilusão utópica", podemos até, estrategicamente,
negar a realidade do morrer como não
fazendo parte de nosso existir e agir como se fôssemos imortais em nossa existência terrena. Pura insensatez, porque
morremos e clamamos por dignidade
nesse momento.
Ouvimos frequentemente, de doentes
em fase terminal, que eles não têm tanto
medo de morrer, mas sim de sofrer. O
que se teme é o processo marcado pela
dependência e dor não aliviada que se
associa à doença. Enquanto a dor física
é a fonte mais comum do sofrimento, o
sofrimento ligado ao morrer vai além
do mero nível físico, atingindo o todo da
pessoa. Para eliminar a dor ou pelo menos aliviá-la, exigem-se medicamentos
analgésicos; para cuidar do sofrimento
é necessário um horizonte de significado e sentido, em que os valores socioculturais e religiosos são fundamentais.
Ao negligenciar a distinção entre dor e
sofrimento, a tendência dos tratamentos é se concentrar somente nos sintomas físicos, como se estes fossem a única fonte de desconforto. Essa perspectiva permite continuar agressivamente
tratamentos fúteis, na crença de que,
enquanto o tratamento protege da dor
física, ele protegeria também de todos
os outros aspectos, ignorando que o sofrimento tem de ser cuidado nas suas
várias dimensões -física, psíquica, social e espiritual.
Pede-se para morrer e ser ajudado para tal, por causa da dor e do sofrimento
sem perspectivas e da "vida diminuída",
sem perspectiva de futuro. Busca-se como saída a legalização da eutanásia, a
qual somos contra, mas não podemos
ignorar que a questão precisa ser estudada e debatida.
Olhando para nossa realidade, o desafio maior é considerar a dignidade no
adeus à vida, para além da dimensão
biológica, no contexto médico-hospitalar, ampliando o horizonte, integrando
a dimensão sociopolítica relacional.
Somos emocionalmente envolvidos
por casos dramáticos divulgados pela
mídia, que anunciam o direito de todo
ser humano a ter uma morte feliz, sem
dor, em paz. Este não deixa de ser um
ideal a ser nobremente atingido. Perguntamo-nos qual o significado de tudo
isso, diante da morte de milhares de seres humanos por acidentes, violência e
péssimas condições de vida.
Existe muito o que fazer no sentido de
levar a sociedade a compreender que o
morrer com dignidade é uma decorrência do viver dignamente. Se não se tem
condição de vida digna, no fim do processo garantiríamos uma morte digna?
Antes de existir um direito à "morte humana", há que garantir um direito a
uma "vida humana", e não somente sobrevivência sofrida. É chocante e até
irônico constatar situações em que a
mesma sociedade que negou o pão para
o ser humano viver oferece-lhe a mais
alta tecnologia para "bem morrer".
Não somos doentes nem vítimas da
morte. É saudável sermos peregrinos.
Não podemos aceitar passivamente a
morte que é consequência do descaso
pela vida, causada pela violência, por
acidentes e pobreza. Em face dessa realidade, é necessário cultivar uma santa
indignação ética e um compromisso
com a vida vulnerável. Podemos ser curados de uma doença classificada como
mortal, mas não de nossa mortalidade e
finitude humanas. Essa condição de
existir não é uma patologia! Quando esquecemos isso, acabamos caindo na
tecnolatria e na absolutização da vida
biológica pura e simplesmente.
Insensatamente, procuramos a cura
da morte e não sabemos mais o que fazer com os pacientes fora de possibilidades terapêuticas. Instala-se então a distanásia, adiando a morte inevitável, em
que os instrumentos de cura facilmente
se transformam em ferramentas de tortura! Entre dois limites opostos, de um
lado a convicção profunda de não abreviar intencionalmente a vida (eutanásia), de outro, a visão para não prolongar o sofrimento e adiar a morte (distanásia). Entre o não abreviar e o não prolongar está o desafio de cuidar do sofrimento.
Como fomos cuidados para nascer,
precisamos também ser cuidados para
morrer. A vida humana, no seu início,
bem como no final, é total vulnerabilidade, que nos convoca ao cuidado máximo. Aqui a palavra de ordem é solidariedade, que não é paternalismo. Cicely
Saunders, fundadora da moderna filosofia de cuidados paliativos, diz que "o
sofrimento humano somente é intolerável quando ninguém cuida".
Pergunto-me humildemente, sem ter
resposta, por que, no caso Vincent
Humbert, todas as expressões de cuidado, até de sua própria mãe, por desejo
próprio o levaram à morte, e não a continuar a viver ressignificando sua vida.
Léo Pessini, 48, padre camiliano, professor doutor em bioética no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Bioética do Centro Universitário São Camilo, é membro do Board da International Association of Bioethics e autor de "Distanásia: até quando prolongar a vida" (ed. Loyola, 2002).
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