São Paulo, segunda-feira, 04 de outubro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

O lucro do arrastão

RIO DE JANEIRO - Não tenho certeza do ano, mas do fato. Em 1992, na semana que antecedeu a eleição municipal aqui do Rio, ocorreu o primeiro arrastão no Arpoador e em Ipanema. Um domingo de sol. Desde cedo, equipes da TV se postaram no local, duas no calçadão, uma na própria areia. Seria mais uma reportagem sobre o início do verão carioca -foi o que me informaram.
Eu levara Mila e Títi para o único banho de mar permitido pelas manhãs aos cães, na praia do Diabo. Ali pelo meio-dia, a empregada, esbaforida, pediu que eu ligasse a TV. Vi o arrastão enorme, bem maior do que o mais recente, na semana passada. Eram uns 30, 40 homens, desarmados, inaugurando um tipo de horror que não chegou a fazer vítimas nem danos consideráveis. O bando não tinha intenção de roubar, apenas assustar e aparecer na TV ali postada.
A candidata do PT, que liderava as pesquisas para prefeito, ainda não havia sofrido o desgaste posterior de seus tempos de governadora. Estava com 37 ou 38 por cento de preferência no eleitorado. Caiu para uns 17 -se não estou enganado. Não foi eleita.
Sabia-se que um grupo ultra-reacionário estava disposto a fazer qualquer coisa para impedir que uma negra, moradora no morro, governasse uma cidade como o Rio, sala de visita e cartão-postal do Brasil.
Mais tarde, houve outras tentativas de arrastão, sempre em vésperas de eleição. O estrago na imagem do Rio e do país é enorme e irrecuperável. Mas parece que o recurso foi absorvido como prática.
O lucro do assalto praticado nas areias da zona sul em forma de arrastão é ridículo. Ninguém leva valores para a praia, leva talvez um celular, uns trocados para a água-de-coco, nenhuma bijuteria, o relógio mais vagabundo de cada um. Qualquer lanchonete, ali pelo meio-dia, oferece mais dinheiro e mercadoria. E os bandidos sabem disso.


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