São Paulo, segunda-feira, 04 de outubro de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O Judiciário paulista depois da greve
FLÁVIO LUIZ YARSHELL e TAÍS GASPARIAN
O que fazer para sair do caos? Problema de tal complexidade não comporta indicação de soluções em poucas linhas. Mas algumas coisas parecem fundamentais: antes de mais nada, é preciso reconhecer a existência e a gravidade do problema; negá-lo ou pretender diminuí-lo, seja a que pretexto for, é um erro. Apesar do grande volume de processos, que certamente não se compara ao de nenhum outro Estado, não é possível que o Judiciário paulista seja dos últimos do país a serem informatizados, que seu orçamento seja atrelado à aprovação do Executivo e que um recurso, aqui, demore quase quatro anos para ser distribuído -isso só para citar alguns dos males. Ao lado do problema de gestão, que deve ser enfrentado com unhas e dentes, há as questões internas do órgão, que nesse mesmo âmbito devem ser resolvidas. Dentre elas, uma proposta que tem sido debatida entre os juízes é a da submissão ao sufrágio universal -certamente restrito aos integrantes da carreira- dos cargos de cúpula dos tribunais. Vige até hoje a regra de que somente podem ser eleitos a esses cargos os magistrados mais antigos. A eleição, defendem alguns, certamente importará uma oxigenação dos tribunais, ao mesmo tempo em que dará ao eleito a legitimidade necessária para implementar projetos de modernização gerencial. Trata-se de tema que, quando menos, merece ser debatido pela sociedade e pelo próprio Judiciário. Além disso, é preciso despersonalizar a discussão: queixas sobre a morosidade do Poder Judiciário não podem e não devem ser tomadas como queixas pessoais aos magistrados ou à magistratura, ou mesmo aos serventuários. O problema é um só e é de todos. Troca de acusações ou de farpas fazem apenas lembrar o ditado segundo o qual, "em casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão". Finalmente, é preciso ter coragem e compromisso com a solução dos problemas. É preciso que as cúpulas dos órgãos públicos e privados que têm poder de interferir de forma útil e eficaz em relação ao problema estabeleçam um permanente fórum de debate e que o Judiciário se abra aos diferentes setores da sociedade, deles cobrando e recebendo contribuições para que se modernize, no melhor sentido da palavra, e que dê a este Estado um serviço condizente com sua importância. Estranho à liturgia das togas, o cidadão posiciona-se como consumidor de serviços de Justiça, pelos quais ele paga e dos quais exige uma gestão transparente, moderna e eficiente. Hoje em dia a Justiça não é mais sacralizada; ela é vista como um bem cujo consumo é tão vital quanto energia, água ou saúde, daí que um Judiciário fortalecido, dotado de recursos humanos e materiais e bem administrado é questão prioritária. As verdadeiras e fundamentais mudanças, que implicam modernização da sua gestão, devem ser efetivamente adotadas. Resta esperar que essas mudanças sejam desejo e obra do próprio Poder Judiciário e que sejam feitas em diálogo com a sociedade civil. Isso certamente implicará o seu fortalecimento, para o bem da dinâmica democrática do país. Flávio Yarshell, advogado, é professor-doutor do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da USP. Taís Gasparian, advogada, é mestre pelo Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da USP. Foi chefe-de-gabinete do ministro da Justiça (2002). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Ivana Jinkings: Cultura para quem precisa Índice |
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