São Paulo, quarta-feira, 04 de outubro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Para além do bipartidarismo presidencial

FERNANDO LUIZ ABRUCIO

Lula e Alckmin devem se esquecer do bipartidarismo presidencial e lembrar de que precisarão de outras forças para governar

DESDE 1994, o Brasil vive uma espécie de bipartidarismo presidencial. PSDB e PT têm disputado o controle pela Presidência da República sem que outras forças possam lutar contra eles -no máximo, há um jogo para ver quem apóia ou atrapalha cada um dos pólos dominantes. Em 2006 não foi diferente.
Lula e Alckmin polarizaram completamente as eleições. Só que existem duas outras esferas de poder que têm grande influência sobre o tabuleiro político: as governadorias estaduais e o Congresso Nacional.
O resultado inicial da disputa estadual mostra um quadro bem equilibrado. PT, PSDB e PMDB ganharam em quatro Estados, o PPS obteve duas vitórias, enquanto PFL, PDT e PSB elegeram apenas um governador cada. Além desses, o PP compete no segundo turno em duas unidades estaduais -em uma delas, com grandes chances de vencer. Portanto, a sopa de letrinhas revela que sete ou oito partidos comandarão as governadorias no próximo quadriênio.
É bem verdade que o PSDB computa a seu favor o governo dos dois maiores colégios eleitorais, São Paulo e Minas Gerais, além de ter grandes chances de vencer no Rio Grande do Sul. O PMDB teve uma votação bem espalhada pelo país e pode, ao final do processo, ser a legenda com o maior número de governadores. E, embora o PT tenha vencido em unidades estaduais mais periféricas, a conquista da Bahia, o quarto maior colégio eleitoral, teve um caráter simbólico importante, com a derrota de ACM, um dos caciques políticos mais fortes da história brasileira recente. Finalmente, o PFL foi o maior perdedor no front federativo.
O fato é que o presidente da República terá de negociar constantemente com governadores de pelo menos três grandes partidos -PMDB, PSDB e PT-, bem como precisará, em menor medida, do apoio de outras quatro ou cinco legendas. Isso se torna mais importante por causa da urgência da reforma tributária, que há mais de uma década se arrasta pelo Congresso Nacional. Nessa questão em particular, o apoio ou o veto dos governadores constitui peça-chave.
Ressalte-se que, se a reforma tributária já era essencial no passado, agora ela ganha contornos mais dramáticos em razão tanto do insuportável sufoco tributário sobre os contribuintes quanto da perda de competitividade de nossas empresas, algo que, em poucos anos, nos fará perder mercados e empregos em proporção desastrosa. Em outras palavras, a não-resolução dessa questão pode atingir o modelo econômico de tal forma que, em duas eleições, haverá público para populistas à esquerda ou à direita.
Ainda mais importante do que as governadorias é a composição do Congresso Nacional. A divisão é tão grande quanto nas legislaturas recentes, com um porém: a cláusula de barreira levará ou à fusão de partidos ou à migração de uma série de deputados para as agremiações maiores. Isso só deverá ocorrer após o segundo turno, uma vez que grande parte dos representantes eleitos, principalmente da centro-direita, irá para onde sempre tem ido: rumo ao governismo.
De qualquer modo, essa redução do número de legendas tenderá a diminuir o troca-troca partidário ao longo do período e, especialmente, o custo para a montagem de coalizão, hoje marcada por um processo bastante atomizado e nebuloso.
Os dois pólos políticos principais do país, comandados por PT e PSDB, não terão sozinhos maioria suficiente para fazer reformas constitucionais, que é o que importa em termos de processo legislativo. Isso porque o Brasil, com a Constituição de 1988, constitucionalizou uma série de políticas públicas. Assim, qualquer alteração legal relevante e/ou mudança de rumo setorial para se adaptar a uma realidade muito dinâmica passa pela "ditadura dos três quintos".
Qualquer que seja o presidente eleito, ele precisará de uma ampla coalizão, federativa e congressual, para governar. É importante lembrar disso numa hora em que cresce o radicalismo partidário.
O conflito político, principalmente o movido por projetos, é a essência da democracia. Mas Lula e Alckmin devem, desde já, se esquecer do bipartidarismo presidencial e lembrar de que precisarão de outras forças para comandar as reformas de que o Brasil tanto necessita -eles dependerão, inclusive, do apoio ou boa vontade dos oponentes na disputa. Caso não pensem assim, tucanos e petistas estarão nos condenando ou à confusão governativa -como a que vivemos nos últimos dois anos- ou à mediocridade econômica e social.


FERNANDO LUIZ ABRUCIO, 37, doutor em ciência política pela USP, é professor e coordenador do mestrado e do doutorado em administração pública e governo da FGV-SP e professor licenciado da PUC-SP.

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