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TENDÊNCIAS/DEBATES
Para além do bipartidarismo presidencial
FERNANDO LUIZ ABRUCIO
Lula e Alckmin devem se esquecer do bipartidarismo presidencial e lembrar de que precisarão de outras forças para governar
DESDE 1994, o Brasil vive uma
espécie de bipartidarismo presidencial. PSDB e PT têm disputado o controle pela Presidência da
República sem que outras forças possam lutar contra eles -no máximo,
há um jogo para ver quem apóia ou
atrapalha cada um dos pólos dominantes. Em 2006 não foi diferente.
Lula e Alckmin polarizaram completamente as eleições. Só que existem
duas outras esferas de poder que têm
grande influência sobre o tabuleiro
político: as governadorias estaduais e
o Congresso Nacional.
O resultado inicial da disputa estadual mostra um quadro bem equilibrado. PT, PSDB e PMDB ganharam
em quatro Estados, o PPS obteve duas
vitórias, enquanto PFL, PDT e PSB
elegeram apenas um governador cada. Além desses, o PP compete no segundo turno em duas unidades estaduais -em uma delas, com grandes
chances de vencer. Portanto, a sopa
de letrinhas revela que sete ou oito
partidos comandarão as governadorias no próximo quadriênio.
É bem verdade que o PSDB computa a seu favor o governo dos dois
maiores colégios eleitorais, São Paulo
e Minas Gerais, além de ter grandes
chances de vencer no Rio Grande do
Sul. O PMDB teve uma votação bem
espalhada pelo país e pode, ao final do
processo, ser a legenda com o maior
número de governadores. E, embora
o PT tenha vencido em unidades estaduais mais periféricas, a conquista da
Bahia, o quarto maior colégio eleitoral, teve um caráter simbólico importante, com a derrota de ACM, um dos
caciques políticos mais fortes da história brasileira recente. Finalmente,
o PFL foi o maior perdedor no front
federativo.
O fato é que o presidente da República terá de negociar constantemente com governadores de pelo menos
três grandes partidos -PMDB, PSDB
e PT-, bem como precisará, em menor medida, do apoio de outras quatro ou cinco legendas. Isso se torna
mais importante por causa da urgência da reforma tributária, que há mais
de uma década se arrasta pelo Congresso Nacional. Nessa questão em
particular, o apoio ou o veto dos governadores constitui peça-chave.
Ressalte-se que, se a reforma tributária já era essencial no passado, agora ela ganha contornos mais dramáticos em razão tanto do insuportável
sufoco tributário sobre os contribuintes quanto da perda de competitividade de nossas empresas, algo que, em
poucos anos, nos fará perder mercados e empregos em proporção desastrosa. Em outras palavras, a não-resolução dessa questão pode atingir o
modelo econômico de tal forma que,
em duas eleições, haverá público para
populistas à esquerda ou à direita.
Ainda mais importante do que as
governadorias é a composição do
Congresso Nacional. A divisão é tão
grande quanto nas legislaturas recentes, com um porém: a cláusula de barreira levará ou à fusão de partidos ou à
migração de uma série de deputados
para as agremiações maiores. Isso só
deverá ocorrer após o segundo turno,
uma vez que grande parte dos representantes eleitos, principalmente da
centro-direita, irá para onde sempre
tem ido: rumo ao governismo.
De qualquer modo, essa redução do
número de legendas tenderá a diminuir o troca-troca partidário ao longo
do período e, especialmente, o custo
para a montagem de coalizão, hoje
marcada por um processo bastante
atomizado e nebuloso.
Os dois pólos políticos principais
do país, comandados por PT e PSDB,
não terão sozinhos maioria suficiente
para fazer reformas constitucionais,
que é o que importa em termos de
processo legislativo. Isso porque o
Brasil, com a Constituição de 1988,
constitucionalizou uma série de políticas públicas. Assim, qualquer alteração legal relevante e/ou mudança
de rumo setorial para se adaptar a
uma realidade muito dinâmica passa
pela "ditadura dos três quintos".
Qualquer que seja o presidente
eleito, ele precisará de uma ampla
coalizão, federativa e congressual, para governar. É importante lembrar
disso numa hora em que cresce o radicalismo partidário.
O conflito político, principalmente
o movido por projetos, é a essência da
democracia. Mas Lula e Alckmin devem, desde já, se esquecer do bipartidarismo presidencial e lembrar de
que precisarão de outras forças para
comandar as reformas de que o Brasil
tanto necessita -eles dependerão, inclusive, do apoio ou boa vontade dos
oponentes na disputa. Caso não pensem assim, tucanos e petistas estarão
nos condenando ou à confusão governativa -como a que vivemos nos últimos dois anos- ou à mediocridade
econômica e social.
FERNANDO LUIZ ABRUCIO, 37, doutor em ciência política pela USP, é professor e coordenador do mestrado e do
doutorado em administração pública e governo da FGV-SP
e professor licenciado da PUC-SP.
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