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KENNETH MAXWELL
Carne queimada
NESTA SEGUNDA-FEIRA , em
universidades de todas as
regiões dos Estados Unidos, os estudantes negros saíram
das salas de aula e realizaram uma
manifestação em apoio a seis alunos negros de uma escola secundária em Jena, uma cidadezinha no
centro da Louisiana. Os agora famosos "seis de Jena" foram acusados de tentativa de homicídio em
segundo grau depois de uma briga,
em dezembro passado, na qual estudantes negros surraram um colega branco. O incidente começou
quando alunos negros da escola
tentaram se acomodar à sombra de
uma árvore informalmente considerada como área reservada aos estudantes brancos. Na manhã seguinte, a árvore apareceu decorada
por cordas dispostas em forma de
laços de forca. A retaliação dos negros contra os brancos surgiu por
conta dessa provocação.
Na semana passada, em Jena,
um total de até 20 mil manifestantes -muito mais gente do que os
três mil moradores da cidade- tomou as ruas, em uma marcha de
protesto liderada por muitos veteranos da luta pelos direitos civis
nos anos 60. Esses milhares de pessoas, que estavam protestando
contra o que vêem como desigualdade no tratamento perante a Justiça, foram mobilizados de maneira
muito moderna, formando um movimento de base. Mais de 400 mil
pessoas assinaram petições veiculadas na internet exigindo a revisão
do caso. David Bowie contribuiu
com US$ 10 mil para o fundo de defesa judicial dos seis de Jena. O caso explodiu em blogs, no YouTube
e nos programas de entrevistas das
rádios negras.
No evocativo "Diário de Adolescência", de Gilberto Freyre, publicado postumamente, há uma forte
e chocante descrição de uma "viagem macabra" que ele fez entre Dallas e Waco, em 1919, quando estudava na Universidade Baylor, no
Texas. "O que me arrepiou foi, na
volta, ao passar por uma cidade ou
vila chamada Waxahaxie, (...) sentir um cheiro intenso de carne
queimada e ser informado com relativa simplicidade: "é um negro
que os boys acabam de queimar...".
Não sei -mas isso sim me arrepiou, e muito. Nunca pensei que tal
horror fosse possível nos Estados
Unidos de agora. Mas é. Aqui ainda
se lincha, se mata, se queima negro.
Não é facto isolado. Acontece várias vezes."
As relações raciais nos Estados
Unidos mudaram para melhor. É
importante reconhecer o fato. Mas
o país gasta US$ 60 bilhões ao ano
com suas prisões e mantém mais
de dois milhões de seus cidadãos
encarcerados. Os negros respondem por metade desse total. É
diante desse pano de fundo que as
memórias tóxicas do passado foram revividas uma vez mais, na semana passada, em Jena, Louisiana.
KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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