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GUSTAVO FRANCO
Maldades contra Machado
ENTRE OS TERRÍVEIS efeitos
da crise econômica global está o de prejudicar as festividades relativas ao centenário da morte de Machado de Assis, ocorrido
na segunda-feira 29 de setembro,
quando os mercados desabaram no
mundo inteiro.
Não é a primeira vez, nem a segunda, que Machado de Assis se
vê atropelado pelos eventos da
economia.
A primeira humilhação mais
fundamental teve a ver com o patrimônio que deixou para seus herdeiros. Em julho de 1898, temendo
por sua saúde, escreveu um testamento, deixando para Carolina,
sua esposa, entre outros bens,
7.000 contos em títulos da dívida
pública do empréstimo nacional de
1895. Esses títulos entraram em
moratória pouco antes da data desse testamento.
Em 1906, com a morte de Carolina, Machado escreveu um novo
testamento, declarando possuir
não mais 7, mas 12 apólices do empréstimo de 1895, ou seja, as sete
originais mais títulos novos que recebeu pelos juros e principal não
pagos.
A moratória perdurou até 1910,
quando a nova herdeira, a menina
Laura, filha de sua sobrinha, começou a receber juros. Em 1914, uma
nova moratória interrompe os pagamentos até 1927, e novamente
em 1931. Depois de alguns pagamentos em 1934, veio um "calote"
completo em 1937. Nos 40 anos entre 1895 e 1935, menos de 18% do
empréstimo foi amortizado, e os
juros foram pagos apenas em 12
anos.
O Estado a que Machado serviu e
honrou ao longo de sua vida devastou-lhe a herança, a pecuniária ao
menos, com essa sucessão de "calotes". E, a partir de 1943, quando os
pagamentos foram retomados, a
inflação funcionou como uma
crueldade superveniente, pois
os títulos não tinham correção
monetária.
Como se não bastasse a desfeita,
ou para tentar uma compensação,
em 1987, resolvemos homenagear
Machado de Assis em uma cédula
de mil cruzados. A cédula foi colocada em circulação em 29 de setembro de 1987, exatos 79 anos da
morte do escritor, e nesse dia valia
pouco menos de US$ 20.
Em 16 de janeiro de 1989, em
conseqüência do Plano Verão e da
mudança do padrão monetário,
Machado recebe um vergonhoso
carimbo triangular cortando-lhe
três zeros: a cédula agora correspondia a um cruzado novo, que
nascia valendo cerca de US$ 1, conforme a cotação oficial. No "paralelo" valia bem menos.
Em 31 de outubro de 1990, depois de três anos de militância, a
cédula com Machado deixa de circular por valer menos de um centavo de dólar.
Só se pode imaginar o que Machado diria disso tudo
gh.franco@uol.com.br
GUSTAVO FRANCO escreve aos sábados nesta
coluna.
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