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TENDÊNCIAS/DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
O saldo da Constituição Federal de 1988 é positivo para o Brasil?
NÃO
Um entrave ao desenvolvimento do país
NEY PRADO
EM 1988 , a expectativa em torno
da Constituição era enorme.
Imaginava-se que ela criaria
condições para a correção das injustiças sociais, a consolidação da democracia e a retomada do desenvolvimento econômico. Mas o mundo passava por transformações tão rápidas
que os constituintes não souberam
acompanhá-las: nossa Carta Magna
nasceu na contramão da história.
É bem verdade que, não obstante
seus defeitos, a Constituição de 1988
representa um marco importante para o país: o fim de um ciclo autoritário
e o início de uma experiência democrática, que se pretende duradoura.
Há, com efeito, virtudes no texto
constitucional; porém, elas aparecem
em menor número que os defeitos.
A Constituição dita "cidadã" é um
documento provocativo, criativo,
mas, por suas características, desestabilizador da vida nacional. Não há
exagero em afirmar que seu advento
provocou enorme insegurança jurídica, dificultou a governabilidade, inibiu negócios e investimentos, sem falar nos conflitos sociais que gerou.
Multiplicam-se no texto as normas
problemáticas, controvertidas e inexecutáveis. Há quase um geral reconhecimento de que nossa Carta Magna trouxe mais dúvidas do que certezas quanto à interpretação de seus
inúmeros artigos e infindáveis emendas que se sucedem no tempo.
Tempo esse, aliás, inimigo da nossa
Constituição. A história se fazia, mas
os constituintes não o notaram. Não
olharam em torno de si. Ignoraram as
profundas alterações no mundo por
força de uma revolução que não conheciam: a da alta tecnologia.
Assim também no campo político:
não perceberam o declínio das ideologias. Não viram que o debate do fim
de século não seria mais entre a esquerda e a direita, mas entre o velho e
o novo, o ineficiente e o eficiente. Ignoraram ainda que o gigantismo do
Estado passava a ser mais um fator de
atraso que um agente do progresso.
Igualmente não se deram conta da
mudança radical havida no relacionamento entre os países. Falhou a percepção para ver que os vários sistemas econômicos operavam em bases
transnacionais e que capital, ciência e
tecnologia se internacionalizavam.
Entre os muitos problemas que
ainda poderíamos mencionar, até na
área social, vamos nos concentrar no
preconceito, um dos maiores defeitos
de origem da Constituição. Pois não
bastou para aplacar o arraigado preconceito dos constituintes produzir
uma Carta democrática; impôs-se fazê-la "antiautoritária". Mas, à força
de corrigir males do passado, os constituintes se esqueceram do porvir.
As Forças Armadas, por exemplo,
foram alvo favorito de preconceitos,
bem como o foi o sistema de informação: no intuito de punir os abusos do
passado, desarmou-se o Estado contra o terrorismo, o banditismo ideológico, as quadrilhas de corrupção.
O empresário, por sua vez, foi posto
sob dupla suspeita: politicamente,
pois foi conivente com o autoritarismo, e economicamente, pois é um ser
anti-social, que deve ser humanizado
por imposição do legislador.
Eis aqui, por sinal, o vício que perpassou todo o trabalho: insatisfeitos
com a realidade, os constituintes
acreditaram ser possível rejeitá-la radicalmente e modificá-la por ato de
vontade. Erro crasso imaginar que a
Constituição, por si, poderia tanto definir as condições das mudanças como criar ou impor tais condições.
Dominados pelo desejo de inovar,
os constituintes saltaram além da
realidade histórica para cair num espaço e num tempo imaginários. Pretenderam produzir a mais perfeita e
completa Constituição, algo pronto,
acabado, um produto no qual tudo parece simples e coordenado, uniforme,
justo e racional. Não o fizeram.
É bem verdade que a lei, qualquer
lei, por si só, não cria desenvolvimento político, econômico e social. Mas a
Constituição tem comprovado que o
contrário ocorre: a má lei pode inibir
o desenvolvimento de um país pelas
reiteradas crises que provoca.
Parece-nos irrefutável esta conclusão: a Constituição de 1988 está longe
de ser o instrumento que pode garantir ao país uma democracia estável e
um desenvolvimento auto-sustentado. É preciso aproveitar a experiência
desses 20 anos para escoimar a Carta
dos erros e preservar os acertos, resgatando o país para a modernidade.
NEY PRADO é presidente da Academia Internacional de
Direito e Economia.
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