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Rasuras e borrões Falhas do Legislativo e indecisões da Justiça quanto à Ficha Limpa atropelam o calendário e criam incertezas sobre resultados eleitorais
Quem não foi aluno impecável,
nos tempos de escola, certamente
se lembra de ter passado longas
tardes fazendo e refazendo certos
deveres de casa -problemas de
matemática, trabalhos de desenho geométrico- que nunca chegavam ao resultado desejado. Corrigia-se a conta, passava-se a borracha, o papel ia ficando amassado e o que por fim se apresentava
ao professor era a cópia borrada,
quase ilegível, de um trabalho mal
encaminhado e de soluções mal
concebidas desde o início.
Com o projeto da Lei da Ficha
Limpa ocorreu algo semelhante.
Não é responsabilidade direta de
ninguém, na verdade, que se tenha chegado ao dia das eleições
sem saber, afinal, o que vale e o
que não vale na legislação.
A expectativa de contar-se com
um instrumento legal para barrar
os casos mais caricatos de corrupção na política brasileira exerceu,
sem dúvida, pressão eloquente
sobre o Congresso e o Judiciário.
O fenômeno de opinião pública,
positivo em si, teve um efeito colateral. Qualquer ponderação que se
antepusesse à Lei da Ficha Limpa
soou como complacência diante
da corrupção.
O documento teria de valer já
nestas eleições: mas estas correm
segundo um calendário que não é
o da Justiça.
Argumentos complexos com
respeito à constitucionalidade da
lei tiveram de ser debatidos em
pleno andamento do processo
eleitoral; pior, por um Supremo
Tribunal Federal dividido ao meio
na sua avaliação sobre um caso
concreto. E também dividido, o
que é natural num caso desses,
entre a pressão da opinião pública
e a necessidade de seguir princípios rigorosos de técnica jurídica.
Criou-se a situação bizarra de
uma candidata de última hora
aparecer em debates, sem ter nem
sequer seu nome no terminal eletrônico de votação; Weslian Roriz,
mulher do postulante ao governo
do DF Joaquim Roriz, passou do
anonimato para o vexame público. Trocou-se uma ficha suja por
um papelão.
O embrulho, entretanto, vai ficando maior ainda. Os votos conferidos aos "fichas-sujas" serão
considerados nulos; caso vençam
recursos posteriormente, esses
candidatos poderão ser eleitos, e
com isso irão alterar-se os coeficientes -e a vagas- de cada partido no Legislativo.
Houve ainda outra polêmica,
resolvida em fim de expediente: a
da exigência de título eleitoral para apresentar-se à votação. Muitos
eleitores chegaram ontem às urnas, portanto, sem saber se estavam eles próprios -para não falar
dos candidatos- com os papéis
em ordem.
Uma lei já defeituosa em sua
formulação, destinada a prevenir
candidaturas de corruptos, se torna uma guilhotina emperrada.
Juízes acabam sendo improvisados em legisladores, a mulher de
um candidato se transforma em
candidata, a lei eleitoral é modificada num rabisco de última hora.
A Lei da Ficha Limpa se torna, enfim, como diria até o menos severo
dos professores do ginásio, um
trabalho ilegível, tantos os borrões, as rasuras e vacilações de
que se cobriu.
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