UOL




São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

A catedral verde do Trianon

NELSON BAETA NEVES

O parque Siqueira Campos, mais conhecido como Trianon, destaca-se como a monumental quadra verde da mais importante avenida de São Paulo, a avenida Paulista, cartão-postal incontestável de nossa metrópole.
O Trianon, embora com o dobro da idade do parque Ibirapuera, não dispõe de espaços tão generosos, mas sua localização privilegiada lhe confere valor e atenção semelhantes. Se o tombamento de um lado garante-lhe a preservação de um fragmento da mata atlântica, de outro engessa-o por meio de interpretações equivocadas do que deve ser preservado como registro histórico. Na dúvida, ali se preserva de tudo: de cafeeiros atrofiados a plantas ornamentais introduzidas na penumbra decorrente do desvairo paisagístico.
O Ibirapuera, portanto, não é o único "templo do verde", onde ambientalistas se perdem por entre metros quadrados de vegetação em detrimento de alguns outros metros de cultura. Identificar o teatro de Niemeyer como agente destruidor do parque Ibirapuera é fruto da má visão do problema e das soluções alternativas para melhor uso pela população. Já o parque Trianon, localizado na mais paulista das avenidas, impõe-se com a grandiosidade de uma catedral gótica e, como tal, impregnado de dogmas e sacrilégios. Catedral verde, soturna e silenciosa, por seus corredores perambulam abnegados monges ambientalistas cruzando com céticos desocupados e mendigos.


Os abnegados beatos do verde devem ficar atentos ao principal destino dos parques: o lazer e a cultura dos cidadãos


Esses monges se regozijam a cada nova semente germinada sob insuficiente luz natural, que se converterá em mais uma árvore sem espaço ou uma espécime disforme a obstruir a transparência e o domínio visual do parque. Já os excluídos sociais procuram abrigo no templo, interessados tão-somente em repousar nos seus bancos reclusos, dispostos entre grossas colunas centenárias, encimadas por copas que desenham verdadeiros vitrais, por onde se projetam tênues raios de sol. Tudo isso reproduz fielmente a sensação dos ambientes gélidos e impessoais daquelas catedrais medievais que poucos se aventuram a adentrar.
Enquanto isso, os abnegados beatos do verde, ocupados em plantar e fincar mais estacas, devem ficar atentos ao principal destino dos parques: o lazer e a cultura dos cidadãos. Estes, por medo ou por desmotivação, evitam transpor os portais do templo, privando-se de admirar a beleza e a imponência da mata. A estrutura vegetal do Trianon é distribuída por três planos distintos que compõem o maciço verde do parque.
O plano superior e principal é dominado por majestosas árvores adultas, algumas históricas, outras nem tanto, mas que, juntas, compõem um conjunto majestoso e exuberante que há de ser respeitado e preservado como identidade marcante do bosque.
No plano inferior, ao rés-do-chão, encontram-se plantas rasteiras que não são entraves ao imprescindível ajuste do paisagismo. No plano intermediário está o grande problema, onde uma infinidade de arbustos deformados, na ânsia de se desenvolver na penumbra, sobrevive através de ginástica desesperada em busca de uma nesga de luz, o que resulta numa confusão verde que não deixa ver a amplitude do parque.
Nesse plano se descobrem espécimes exóticas e toda uma sorte de plantas clandestinas e invasoras cuja racionalização poderia suscitar indignações infundadas.
A população se esquiva de caminhar pelas alamedas do Trianon. É que os fantasmas da escuridão rondam por ali, num ambiente visualmente bloqueado, produzindo um clima de insegurança e solidão. As catedrais de verdade levam enorme vantagem, pois podem ser contempladas como um todo.
Urge implementar um projeto global de revitalização que convide e incentive a população a usufruir seus metros sagrados de mata, bem como os metros profanos, transformados em espaços destinados a atividades culturais e de lazer; coreto, café filosófico, recreação infantil e sanitários em locais apropriados. É necessário implantar a iluminação adequada (natural e artificial), exorcizando de vez os agentes das trevas e transformando essa área nobre num dinâmico centro de vivência.
É o momento de presentear São Paulo com mais um parque voltado ao lazer e à cultura. Um parque com mais vida e mais luz! Libertem-se os anjos e fantasmas que rondam suas alturas e que cheguem, em carne e osso, os bichos-preguiça, os caxinguelês, os pássaros e os bugios, para encanto das crianças e júbilo de todos nós.
É hora de avaliar os custos do metro quadrado de verde e de cultura pelos benefícios que deles advêm.

Nelson Baeta Neves, 71, advogado e hoteleiro, é presidente da Associação Paulista Viva e da Associação de Hotéis do Estado de São Paulo.


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Eduardo Pereira de Carvalho: Um ato de coragem

Próximo Texto:
Painel do leitor

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.