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REAL SEM ESTEIO
Desde o colapso da âncora
cambial, em janeiro de 1999, a
moeda brasileira procura outro
apoio para estabilizar-se.
Sem âncora, o real perde valor de
crise em crise e depende do FMI para
evitar o rompimento dos contratos
ou a centralização cambial.
Passaram-se nada menos que quatro anos. As metas inflacionárias foram sendo frustradas. A relativa calmaria atual resulta sobretudo de fatores negativos. Não houve pacote
ou quebra de contratos. Não se abandonou a política de juros altos que
contém o crescimento e sustenta o
câmbio com recessão e contenção de
importações -que produz megassuperávits no comércio exterior.
Segundo o discurso que predominou na era FHC e que parece mantido na gestão Lula, reformas nas
áreas fiscal e previdenciária desatariam os nós financeiros mais sérios.
Seria restaurada a credibilidade dos
títulos públicos (baixando os juros
domésticos) e reduzido o risco-país
(o que reduziria os custos de captação nos mercados internacionais).
Não por acaso essa visão foi identificada à ideologia ultraliberal. Ela coloca na reforma do Estado (pela via
da redução de direitos sociais, da privatização e da redistribuição do bolo
tributário) a alavanca do desenvolvimento. O Estado poderia então liberar poupança para o investimento
privado. Haveria crescimento sem financiamento inflacionário.
Ao mesmo tempo, aos poucos insinua-se nas novas hostes governistas
uma outra visão, que coloca na estrutura da economia e na dependência
externa os dois principais elementos
cuja reforma é condição para a retomada do crescimento econômico
sem pressões inflacionárias.
Uma visão coloca a ênfase no ajuste
fiscal e na estabilidade da moeda como condições para a formação de
poupança doméstica. A outra dá
prioridade às estratégias de substituição de importações, promoção de
exportações e outras políticas estratégicas de reorganização do sistema
produtivo (por exemplo, dando prioridade a setores produtores de bens
de consumo não-duráveis, capazes
de ampliar o acesso da população ao
emprego e ao consumo).
Talvez as duas visões sejam afinal
compatíveis entre si. Tanto a reforma
do Estado quanto a reestruturação
produtiva ficaram incompletas na
era FHC, quando não sofreram retrocessos motivados pela aposta na
globalização financeira.
A articulação entre as agendas monetarista e desenvolvimentista permanece como o desafio maior da política econômica brasileira.
Manter saldos comerciais expressivos por meio da contenção do crescimento, que depende de juros altos, é
remendo de curto prazo. Continua
em aberto o problema do financiamento não-inflacionário do crescimento. A estabilidade atual é ilusória, pois ela se dá sem financiamento
sustentável e, portanto, é incompatível com o desenvolvimento econômico (haja vista a queda no investimento no ano passado).
Enquanto o novo modelo for incerto, o discurso de adesão ao expediente atual pode até ser inevitável, mas é
insuficiente para recuperar a credibilidade perdida. O país continua à
mercê de uma moeda que sobrevive a
muito custo e sem âncora.
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