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VINICIUS TORRES FREIRE
Todo mundo gosta de pobre
SÃO PAULO - Parece que jamais o cinema nacional ganhou tanto dinheiro tratando de pobres como agora.
Agora, toda a gente parece ter uma
ONG para dar dinheiro, latinhas
usadas, curso de "empreendedorismo", tambores ou professores de arte
para os pobres (o que vão fazer da vida tantos pobres artistas e músicos?
Trilha musical para arrastão? Bonequinhos de barro das enchentes?).
A maioria das grandes empresas
trata de "responsabilidade social" e
de "cidadania". O presidente, ex-pobre e ainda pobre de espírito, ama os
pobres como filhos, como declarou
em um de seus milhares de discursos
tediosos e irrelevantes.
Jamais amamos tanto os pobres, e
eles estão onde sempre estiveram, humilhados e ofendidos, os párias mais
párias do planeta, afora uns quatro
buracos do inferno sobre a Terra, uns
países da África. Seria isso que Cristo
teria querido dizer a Judas naquela
passagem esquisita do Evangelho de
João, "pois sempre tereis os pobres
convosco": uma profecia sobre o Brasil da "responsabilidade social"?
Afora a piada cínica, não é estranha essa efusão de amor do pauperismo? No neocinema nacional, o pobre
aparece engraçado, como se figura de
cordel e/ou de circo, memórias mais
ou menos edulcoradas de zés-ninguéns com quem os diretores de cinema, rapazes de classe média bacana,
conviveram em viagens juvenis pelo
Nordeste (antes, os pobres eram algo
mais feios, sujos e/ou malvados). Os
rappers vivem na MTV. Alguns trejeitos, gírias e trapos ("streetfashion")
são imitados por meninos de classe
média. Mas os pobres continuam a
não falar por eles mesmos, ou falam,
mas como bobos da corte.
Há tanta perua "cidadã" plena de
"responsabilidade social". Tanta moçada que, na ressaca do esquerdismo
e do catolicismo, derivou para o onguismo de resultado "social". Mas título de propriedade do barraco na favela, água e banheiros limpos, escola
que preste, poder de fato, o que antigamente se chamava de cidadania
no sentido correto do termo, isso não
tem, não, senhor. Nem mais política
para isso tem, se é que já houve.
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