São Paulo, quarta-feira, 05 de janeiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Os 24 meses do presidente

ANTONIO CARLOS MAGALHÃES

Não tenho a pretensão de fazer um julgamento dos primeiros 24 meses do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O que não me impede, todavia, de observar que, das quatro virtudes essenciais de que um homem público jamais pode abdicar -justiça, prudência, temperança e força-, pelo menos duas, a justiça e a força, foram relegadas a segundo plano, de maneira que acredito que nem ele próprio inicie a segunda metade de seu mandato satisfeito com o que a sua equipe conseguiu fazer até aqui. E, convenhamos, foi muito pouco para o que prometeu em campanha.
Argumentar-se-á que os resultados das últimas pesquisas de opinião pública colocaram-no de volta no patamar de aceitação popular do início de seu governo, mas -e aqui falo como eleitor do presidente no segundo turno das eleições de 2002- acredito que os resultados das pesquisas, no fundo, reflitam mais a expectativa daquilo que o presidente ainda possa fazer até 2006 do que o grau de satisfação dos milhões de brasileiros pelo que ele já fez.
Já fez sobretudo na área econômica, onde seu governo registra avanços, impossível negá-los, mas avanços dirigidos unilateralmente para a área econômica, ainda sem a devida contrapartida ou equivalência social. Não me canso de repetir que não adianta a economia andar bem, inclusive como quer o FMI que ela ande, enquanto o povo anda mal. Não se pode atravessar um mandato inteiro cumprindo metas para agradar aos credores externos, enquanto milhões de brasileiros se sentem empurrados da zona de uma vida mediana para a pobreza e os pobres atravessam sem perspectiva a linha da pobreza para atingir a zona da miséria.


O desempenho do governo Lula na área social deixou muito a desejar nesses dois primeiros anos


A verdade é que o desempenho do governo Lula na área social, todo mundo está vendo ou sentindo na própria pele, deixou muito a desejar nesses dois primeiros anos. Sem a prática da justiça social, na dimensão em que prometeu e como dele se esperava, o presidente, inclusive por não dispor de um bom ministério, acabou abdicando de uma das virtudes mais basilares e consagradoras de qualquer administração pública, que é a justiça. Refiro-me à justiça como virtude moral, capaz de assegurar aos brasileiros excluídos dos benefícios sociais o direito de viverem como cidadãos.
Os milhões de empregos para os correspondentes milhões de desempregados e as três refeições diárias para os famintos -não necessariamente nessa ordem, até porque o ideal seria as refeições chegarem à mesa dos necessitados como conseqüência do emprego- são dois dos principais programas sociais do governo que dificilmente se realizarão até o final de 2006.
É certo que ninguém pode governar um país, sobretudo um país como o Brasil, que carece de uma base econômica forte e consolidada, pensando apenas no social. Mas ninguém pode, da mesma forma, governá-lo tendo em vista apenas os interesses econômicos. Inflação mais ou menos sob controle, juros elevados para impedir o seu retorno indesejado, PIB em ascensão, banqueiros satisfeitos com seus lucros astronômicos e sem correspondentes ideais de obrigações sociais, a indústria e a agricultura em crescimento: tudo até aqui gira quase que exclusivamente em torno de cifras que, infelizmente, não podem ser convertidas em satisfação social.
Até pelo contrário, às vezes representam um sacrifício para a população. Basta citar o exemplo do congelamento da tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas, com o qual há quase dois anos, pois só agora anuncia-se corrigi-la, ainda precariamente, são confiscadas parcelas consideráveis dos rendimentos de mais de 15 milhões de contribuintes, acelerando o processo de empobrecimento da classe média.
O governo claudica na virtude da justiça social como claudica na virtude da força, aqui empregada como sinônimo de autoridade, ao permitir, por omissão, quer no campo, com o MST, quer nas cidades, com a ação crescente do crime organizado, que forças paralelas às do Estado se estruturem, pondo em risco a ordem pública. No que pese a comprovada competência do ministro da Justiça, falta força para coibi-las, faltam ações para preveni-las.
Já disse que não tenho a pretensão de fazer um julgamento dos primeiros 24 meses do governo do presidente Lula, mas, até como seu eleitor eventual, devo lembrar-lhe de que, desde 1º de janeiro, ele dispõe de apenas mais 24 meses para realizar aquilo que o fez merecedor da confiança do povo brasileiro -e por isso foi eleito.

Antonio Carlos Magalhães, 77, é senador pelo PFL da Bahia. Foi presidente do Senado (1997-99 e 1999-2001), governador do Estado da Bahia (1991-94) e ministro das Comunicações (governo Sarney).


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Jorge Boaventura: Bezerro nômade
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.