São Paulo, sábado, 05 de janeiro de 2008

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A crise no Quênia

O SURTO de violência no Quênia, deflagrado por uma provável fraude nas eleições presidenciais de 27 de dezembro, suscita dois tipos de discussão. O primeiro é a emergência em si, e a necessidade de resposta imediata dos organismos internacionais de ajuda humanitária e das principais diplomacias da região e do planeta.
Além dos massacres que continuam a ocorrer, a onda de vingança contra a etnia kikuyu -do presidente oficialmente reeleito, Raila Odinga- já provocou o desalojamento de 180 mil pessoas no país africano, segundo a ONU. O alerta publicado ontem pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha não deixa dúvidas acerca do perigo de o conflito tornar-se ainda mais mortífero.
"O nível de ódio é muito alto. A violência de origem tribal é a pior: não conhece limites e é extremamente difícil de aplacar", disse o chefe do órgão para a região. Esse aspecto tribal da conflagração queniana anima um segundo debate sobre o episódio. Muitos analistas comparam este incidente com o genocídio ocorrido em Ruanda, em 1994.
A proximidade entre os dois países e o fato de os políticos explorarem o componente étnico da população, contudo, não autorizam tal comparação. Como escreveu Quentin Peel para o "Financial Times", em artigo que a Folha publicou, o Quênia tem uma estrutura étnica e econômica bem mais complexa que a de Ruanda, onde hutus massacraram centenas de milhares de tutsis mais de uma década atrás.
À diferença do dualismo de Ruanda, no Quênia convivem 42 tribos, nenhuma majoritária. Não há grupo em condições de tornar-se hegemônico sem costurar alianças. Nem os kikuyus (20%) prescindiram dessa articulação em mais de 40 anos de predomínio, nem os seus principais rivais, os luos (13%), o farão se chegarem ao poder. Além disso, um componente de disputa pelas terras férteis do vale do rio Rift, que corta o oeste do país, concentra os embates mais sangrentos naquela região.
Uma solução duradoura para a pacificação do Quênia, portanto, ainda está à mão dos políticos locais. E ela passa por um acordo entre governo e oposição que envolva a realização de eleições limpas e/ou a partilha de poder.


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