|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A crise no Quênia
O SURTO de violência no
Quênia, deflagrado por
uma provável fraude nas
eleições presidenciais de 27 de
dezembro, suscita dois tipos de
discussão. O primeiro é a emergência em si, e a necessidade de
resposta imediata dos organismos internacionais de ajuda humanitária e das principais diplomacias da região e do planeta.
Além dos massacres que continuam a ocorrer, a onda de vingança contra a etnia kikuyu -do
presidente oficialmente reeleito,
Raila Odinga- já provocou o desalojamento de 180 mil pessoas
no país africano, segundo a ONU.
O alerta publicado ontem pelo
Comitê Internacional da Cruz
Vermelha não deixa dúvidas
acerca do perigo de o conflito
tornar-se ainda mais mortífero.
"O nível de ódio é muito alto. A
violência de origem tribal é a
pior: não conhece limites e é extremamente difícil de aplacar",
disse o chefe do órgão para a região. Esse aspecto tribal da conflagração queniana anima um segundo debate sobre o episódio.
Muitos analistas comparam este
incidente com o genocídio ocorrido em Ruanda, em 1994.
A proximidade entre os dois
países e o fato de os políticos explorarem o componente étnico
da população, contudo, não autorizam tal comparação. Como
escreveu Quentin Peel para o
"Financial Times", em artigo que
a Folha publicou, o Quênia tem
uma estrutura étnica e econômica bem mais complexa que a de
Ruanda, onde hutus massacraram centenas de milhares de tutsis mais de uma década atrás.
À diferença do dualismo de
Ruanda, no Quênia convivem 42
tribos, nenhuma majoritária.
Não há grupo em condições de
tornar-se hegemônico sem costurar alianças. Nem os kikuyus
(20%) prescindiram dessa articulação em mais de 40 anos de
predomínio, nem os seus principais rivais, os luos (13%), o farão
se chegarem ao poder. Além disso, um componente de disputa
pelas terras férteis do vale do rio
Rift, que corta o oeste do país,
concentra os embates mais sangrentos naquela região.
Uma solução duradoura para a
pacificação do Quênia, portanto,
ainda está à mão dos políticos locais. E ela passa por um acordo
entre governo e oposição que envolva a realização de eleições
limpas e/ou a partilha de poder.
Texto Anterior: Editoriais: Velhos fantasmas Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: Quem topa o boletim? Índice
|