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MARCOS NOBRE
O piso e o Suriname
O ANO SE ENCERROU com
duas notícias muito boas,
aparentemente desconectadas. A primeira: pelo menos 40 mil
imigrantes irregulares entraram
com pedido de anistia. A segunda: o
piso salarial nacional obrigatório
para o professorado do ensino básico subiu para R$ 1.025.
Os números são pouco confiáveis, mas é certo que o contingente
de imigrantes irregulares no país é
bem maior que isso, talvez dez vezes maior. Mas a anistia mostra
que, ao contrário da Europa e dos
EUA, o Brasil não adota uma política de repressão sistemática, um
dos maiores focos de tensão no
mundo no momento e que assim continuará pelas próximas décadas.
Já o novo piso salarial para o professorado parece fazer parte de
programa eleitoral: corresponde
quase que exatamente ao critério
de entrada na chamada classe C (de
dois a cinco salários mínimos), o
carro abre-alas da era Lula. É também o mínimo que se deve fazer
nesse campo. Mas conseguir esse
mínimo foi luta de décadas. E é
mesmo um passo decisivo para começar a melhorar a educação básica pública.
É possível que 5 milhões de brasileiros vivam hoje no exterior.
Pesquisas recentes, como as do
Núcleo de Estudos de População
da Unicamp, mostram que se trata,
em grande parte, de uma emigração já enraizada nos países de destino, que já formou redes sociais
sólidas, com baixa probabilidade
de retorno definitivo ao Brasil. Os
fluxos migratórios para os lugares
em que redes sociais já se estabeleceram devem continuar.
O que deve mudar com as boas
perspectivas de desenvolvimento
do país para os próximos anos é
que muita gente que poderia desbravar outros destinos migratórios
tenderá a ficar. Até a crise vai dar uma mãozinha nisso.
Mais que isso, é a imigração que deve aumentar nos próximos anos.
Mas não virá simplesmente suprir
um crescimento populacional que
não dá conta das necessidades do
desenvolvimento econômico. Nem
apenas por causa de lacunas pontuais em alguns setores. Virá suprir
a falta de educação de largas parcelas da população.
Muitas pessoas que hoje gritam
que faltará mão de obra qualificada
são as que sempre foram a favor da
educação, claro, mas que tinham
um ataque de nervos toda vez que
se falava em aumentar os gastos
públicos ou o salário mínimo. Seria
muito bom perguntar a elas o que
fazer agora com quem não teve educação nem encontra trabalho.
Pessoas para quem o aumento do
piso do professorado chegou tarde
demais. Pessoas como Alda da Costa, que foi para o Suriname se arriscar no garimpo por uma razão muito básica: "No Brasil, eu ia morrer
de fome".
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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