São Paulo, domingo, 05 de fevereiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

A maturidade tecnológica brasileira

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

A comunidade tecno-científica brasileira tem exultado nas últimas décadas com os avanços científicos alcançados. E, de fato, levando em conta a dimensão econômica e a parcela da renda nacional destinada à pesquisa no país, a produtividade em quantidade e qualidade só é inferior à americana, empatando com a inglesa e superando aquelas dos demais países desenvolvidos, inclusive o Japão, a Alemanha e a França. Quantidade e qualidade são medidas pelo número de publicações e de citações em revistas indexadas (ditas de impacto). Todavia essa conquista, por meritória que seja, não significa maturidade tecno-científica.
Um país só alcança esse nível quando o sistema tecno-científico está de tal maneira integrado à sociedade que o processo decisório das lideranças governamentais a envolve naturalmente.
Exemplo de absoluta imaturidade tecno-científica foi o programa nuclear Brasil-Alemanha, não pela calamidade tecno-financeira, mas antes pela intencional rejeição de qualquer participação de especialistas nacionais, o que resultou em uma permanente alienação, se não aversão, da comunidade científica em relação ao programa nuclear.
Ainda mais lamentável foi o caso do Sivam, quando apenas durante a aprovação do empréstimo por uma comissão parlamentar mista, acionado pelo canonizável senador Matarazzo Suplicy, foi este comentarista convocado a opinar em caráter pessoal. Para legitimar a decorrente intervenção, insisti que fosse ela em nome da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Pois bem, apesar da esmagadora argumentação contra a contratação do Sivam na forma proposta e apesar dos inúmeros escândalos que a acompanharam, o sistema de vigilância foi aprovado. A intervenção da SBPC serviu apenas para aumentar o cacife (ou melhor, o cachê) dos parlamentares membros da referida comissão.


É alvissareiro que se anuncie uma ampla consulta não só a setores tecno-científicos mas também empresariais

Em contraste, quando se desenhava um esquema igualmente excludente para a adoção de uma dentre três tecnologias básicas para a TV digital, viu-se, quando alertado, o Executivo tomar uma posição de saudável expansão do corpo deliberativo.
É verdade que um corpo técnico especializado já existia. Todavia, havia suspeitas de contaminação, pois prolongados encontros fechados entre os pesquisadores brasileiros e comitivas de representantes de uma das concorrentes vinham ocorrendo com certa freqüência.
Contudo, a opinião desses técnicos deve ser levada em consideração, não obstante o fator altamente sugestivo de que a tecnologia por eles eleita só havia sido adotada definitivamente em duas cidades do Japão e de que todos os países da Ásia tenham optado pela tecnologia européia, talvez porque a considerassem mais aberta.
O fato de que se tenha constituído um grupo formado por seis ministérios e seus ministros tenham se reunido sob a direção do presidente da República deve satisfazer a opinião pública, pois trata-se de uma decisão fundamental para a modernização tecnológica do país. É também alvissareiro o fato de que uma ampla consulta se anuncia não somente a setores tecno-científicos mas também a vários setores empresariais.
Todavia, prenúncios de amadurecimento tecno-científicos já existiam há algum tempo, embora nem todos tenham percebido. Alguns números demonstram claramente esse processo, pois refletem a importância dada pelo governo federal à ciência e à tecnologia nos últimos anos.
O principal item orçamentário relativo à pesquisa é o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Ainda durante o período de exceção, caiu de R$ 550 milhões, em 1980, para R$ 220 milhões, em 1983, sendo reconstituído parcialmente (R$ 320 a R$ 350 milhões) de 1985 a 1987.
A partir do fim da administração Sarney, o FNDCT oscila entre ridículos R$ 50 milhões por ano e míseros R$ 200 milhões por ano. Só volta a crescer nos últimos dois anos do segundo mandato de Fernando Henrique, não atingindo, entretanto, os patamares anteriores a 1980 (preços de 2004). Somente nos três últimos anos vem a execução financeira do FNDCT a crescer significativamente, alcançando em 2004 o valor sem precedentes de R$ 780 milhões, cinco vezes a média do primeiro período da administração Fernando Henrique.
Também os números de bolsas de mestrado e de doutorado no Brasil e no exterior cresceram em pelo menos 20%. Os investimentos do CNPq em pesquisas (fomento) dobraram em 2004 em relação a 2000, e são hoje 80% maiores do que em 2002.
Esses números e o recente desenvolvimento no caso da TV digital demonstram que cresce a interação e o suporte mútuo entre o sistema de ciência e tecnologia e o governo, e essa é a única via para a maturidade de um país em ciência e tecnologia.

Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 74, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro do Conselho Editorial da Folha.

Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Boaventura de Sousa Santos: O mundo solidário, 2006

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.