São Paulo, domingo, 05 de março de 2000


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Os filhos da gripe

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - O Carnaval é uma festa alegre ou triste? A começar pela expressão "folia de Momo", ou, pior ainda, pelo "tríduo momesco", acho que é uma festa que tenta ser alegre para os tristes.
É o reconhecimento de que o ano foi reprimido. Daí a idéia dos três dias em que, teoricamente, vale tudo. Ou valia, porque a festa ficou de tal modo encapsulada nos desfiles das escolas de samba que quem não desfila acaba torcedor ou entediado.
Mário Filho falava do Carnaval de 1919. O Rio fora assolado pela gripe espanhola, o sujeito começava a atravessar a rua com saúde e chegava morto na outra calçada.
As carroças de lixo recolhiam os corpos, que eram jogados numa vala aberta para a emergência. Um presidente da República morreu de espanhola.
Pois o Carnaval de 1919 comemorou o fim da gripe e foi uma depravação total. A polícia registrou milhares de defloramentos. Todos queriam vingar a carne castigada pela perspectiva da morte. Houve uma geração de "filhos da gripe", meu primo Torquato foi um deles.
Tivemos há pouco um surto de gripe, mas nada parecido com a espanhola. Que, por sinal, tornou-se fantasia comum das moças, que tinham para escolher a odalisca, a greco-romana, a cigana e, a mais sem graça de todas, a baianinha (as outras deixavam as pernas de fora, o que era uma atração suplementar).
Com o advento dos antibióticos (para curar a gripe) e do fio-dental (que mostra mais do que as pernas das moças), o Carnaval perdeu suas peças de sustentação.
Ficou chata, uma alegria fabricada, postiça como uma dentadura, encomendada como uma missa. Minha emoção é esperar pelo julgamento das escolas de samba. E ver dona Neuma e dona Zica na TV, revirando os olhos e dizendo ""Ai meu Deus!" a cada nota dez que sai para a Mangueira.


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