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JOSÉ SARNEY
Annus terribilis
Os antigos e os poetas épicos falam na "roda da fortuna" para
marcar tempos bons alternados com
os maus. Já a nossa rainha da Inglaterra, Elizabeth 2ª, que os da nossa geração conhecemos mocinha, ao lado do
pai, o rei Jorge 6º, nas fotografias da
Segunda Guerra Mundial, preferiu a
expressão latina "annus terribilis"
quando acossada pelo fogo entrincheirado dos tablóides londrinos, que
revelavam histórias escandalosas da
família real, tendo à frente os amores
de Lady Di e seu marido, o herdeiro do
trono, Charles, sem falar nas noras de
topless que brilhavam, não pelo que
mostravam, mas mais pelo que demonstravam.
No Brasil, nós, que não abandonamos nossas convicções astrológicas,
preferimos o "inferno astral". Ainda
bem que o topless do Waldomiro foi
na cabeça, colocada à mostra por um
vídeo, desses de gravação escondida,
tão populares nas pegadinhas dos
programas domingueiros de TV.
No Nordeste, há uma crença de que
"notícia ruim vem a cavalo", coisa do
tempo em que a solução eqüestre era
a mais rápida. Hoje, talvez melhor
fosse "a jato". É da crendice popular
dizer que essas coisas más não vêm só,
mas em magote.
É o que estamos vivendo, ou melhor, voando em nuvens carregadas,
dessas que a meteorologia diz causadoras de chuvas e trovoadas.
Li, há pouco, em Stiglitz, Prêmio
Nobel de Economia que foi chefe da
assessoria de Clinton, que, a cada recessão, sucede um período de crescimento e este sempre tem pela frente
um período de depressão. Assim,
concluímos que as leis da economia
não são diferentes das da vida e que
estas sucessões entre tempos ruins e
tempos bons fazem parte de tudo. Os
chineses, com sua sabedoria milenar,
condicionaram-se a pensar num sistema de antagonismos e contradições, o yin e o yang, o dia e a noite, a
luz e a escuridão, o Sol e a Lua, o belo e
o feio -e aí vai.
Na política, é a mesma coisa. O perde e o ganha, a popularidade e o esquecimento. Oposição e governo,
exercidas sempre em alternância, vítimas do pecado da incoerência.
É o que se vê no atual e saudável debate democrático. Comissão faz, não
faz, e o essencial e o racional, às vezes,
se perdem na paixão e na esgrima do
entrechoque dos partidos.
O ano não vem com ares otimistas.
Aqui e lá fora. As estatísticas -sempre as estatísticas- nos dizem que as
taxas de desemprego sobem, que os
carros aproveitaram o ano bissexto
para aumentar de preço mais do que
no ano passado, que os cheques sem
fundo batem recorde -e já anunciam até que os ovos de páscoa vão ficar mais caros. Tragédia!
Para aliviar, a Ambev, a cervejaria
brasileira responsável por aquela loira
da praia que é feita de malte, nos enche de orgulho nacionalista em ser a
primeira global brasileira que vai dar
porre no mundo.
Mas notícia atravessada mesmo é a
de que o nosso PIB foi negativo em
2003. Sem desenvolvimento, tudo se
complica. Diziam que a década de 80
fora a década perdida. A década de 90
foi a desgraçada. Até hoje, os números
de crescimento de 1985 a 1989 não se
repetiram: àquela época, o Brasil cresceu 5% ao ano; na década seguinte, a
escalada da recessão veio crescendo
até os números de agora, cuja origem
está nesse tempo.
Afastemos o "annus terribilis" e o
"inferno astral" e acionemos os terreiros da Bahia.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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