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VINICIUS MOTA
A natureza marca
SÃO PAULO - "Pode deixar esse aí
livre que a natureza marca." Não
havia insulto pior entre os garotos
que jogavam futebol. Era reservado
a meninos sem aptidão para controlar a bola e os movimentos do
corpo ao mesmo tempo -inofensivos à defesa adversária, embora
capazes das mais improváveis proezas acrobáticas.
Essa evocação da minha infância
surgiu ao refletir sobre a chamada
"ameaça chavista", que parece embalar a visita do presidente Bush
à América do Sul, nesta semana.
O atacante Hugo Chávez merece
tanta marcação?
Tenho dúvidas -não quanto ao
objetivo do caudilho de Caracas,
que é mesmo concentrar poder
rumo à ditadura. Desconfio da
capacidade real de Chávez levar
adiante seu projeto autoritário, no
plano interno, e de tutelar, no externo, outros regimes.
Fala-se muito dos "petrodólares"
que o chavismo estaria "despejando" a fim de sustentar governos nacionalistas. Exagero. Mesmo após o
preço do petróleo ter batido todos
os recordes de alta, as reservas internacionais da Venezuela (o poder
de fogo para "premiar" regimes
amigos) são de US$ 35 bilhões
-contra US$ 100 bilhões do Brasil.
Enquanto o mundo enfrenta o
problema de excesso de dólares, na
Venezuela eles faltam. As reservas
já começam a cair, o governo centraliza o câmbio e raciona a moeda
americana (as empresas têm dificuldade crescente para pagar dívida
externa e importar). A inflação já
supera os 20% ao ano e está em aceleração, e produtos básicos escasseiam nos supermercados.
Se o preço do petróleo continuar
a cair -o que a tensão financeira
em curso endossa, ao "precificar"
uma desaceleração global-, a luta
de Hugo Chávez será, cada vez
mais, para sustentar-se no poder.
Aplicará seus dólares minguantes
nessa batalha doméstica (que tanto
poderá resultar na sua queda como
no endurecimento do regime), e
não no delírio do "bolivarianismo"
latino-americano.
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