São Paulo, sábado, 05 de março de 2011

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Editoriais

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A vigilância e a lei

Nunca esteve longe das câmeras o espetáculo do Carnaval do Rio de Janeiro. O ano de 2011 apresenta, contudo, uma novidade: 30 dispositivos ocultos serão espalhados em bairros da cidade, com propósitos alheios aos que habitualmente se associam aos festejos de Momo.
As câmeras deverão prevenir atos de delinquência. Em que pese o aspecto transgressivo que caracteriza os dias do Carnaval, a medida só pode ser bem-vinda.
Trata-se, na verdade, de uma tendência que transcende o Carnaval. Ainda no Rio de Janeiro, conforme noticiado pela Folha, uma estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, em Copacabana, só se viu protegida dos seguidos casos de vandalismo quando uma câmera, instalada num edifício da avenida Atlântica, passou a zelar em silêncio pelo respeito à memória do poeta.
Em São José do Rio Preto, a Secretaria da Saúde pretende supervisionar, gravando imagens digitais em tempo integral, o comportamento de médicos e funcionários ao atender a população.
Há quem considere perigoso esse processo, que culminaria numa sociedade integralmente dedicada à vigilância do comportamento individual. Existem diferenças, todavia, entre a distopia do "Big Brother" orwelliano, que os programas de TV reencenam como farsa, e os mecanismos que a tecnologia coloca à disposição do interesse público.
Câmeras nas estradas servem, apesar de eventuais abusos, para evitar o excesso de velocidade dos motoristas. Introduzem, ao mesmo tempo, um filtro de ordem técnica ao que, anteriormente, era tarefa entregue ao corruptível elemento humano.
Também nos incidentes de pichação e vandalismo, a vigilância eletrônica representa mais uma garantia que uma ameaça aos cidadãos. Menos que da disseminação de um recurso tecnológico, o perigo emana de outras fontes.
De um lado, o espírito persecutório, os impulsos da paranoia e do ressentimento que, muitas vezes, fazem do suposto cidadão de bem um candidato a inquisidor. De outro, a óbvia tentação de ultrapassar o âmbito público (ruas e praças, mas também lojas, bancos e escolas) e invadir a privacidade.
O Leviatã, para lembrar a imagem criada por Thomas Hobbes de um poder de Estado que exerce total domínio sobre os indivíduos, está mais do que nunca à espreita. Colocá-lo a serviço da liberdade, e da paz, é um desafio mais antigo, por certo, que as câmeras digitais.


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