São Paulo, sábado, 05 de março de 2011

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CESAR MAIA

Ópera popular

Seria difícil imaginar um auditório com 60 mil pessoas assistindo a uma ópera, mesmo num palco a céu aberto.
Mas não numa ópera popular.
Nesta, o palco é móvel e múltiplo. Os atos são móveis e múltiplos. Cada ato desliza com seu cenário e seus figurantes nesse palco móvel.
O libreto conta o enredo que é cantado por um coro de milhares de vozes junto aos tenores populares, em carro próprio de som.
Assim é o desfile das escolas de samba: uma ópera popular. Mas esse foi um processo de mais de 30 anos, desde as rodas de samba dos anos 1920 e 1930. As escolas de samba ganharam identidade, passaram a ter nome e se diferenciaram umas das outras com cores e bandeiras próprias. No início dos anos 1930, passaram a se apresentar no Carnaval, desfilando.
O prefeito Pedro Ernesto deu cidadania a elas e, em 1935, oficializou o desfile.
Adotou o nome de escolas de samba, para dar cobertura legal aos subsídios.
Não havia carros nem enredo. As fantasias eram improvisadas. Desde a origem dos desfiles, a bandeira era protegida pela porta-estandarte e pelo mestre-sala.
O Carnaval, diversificado com corsos, carros, blocos, foliões, grupos de samba, frevo etc., cada um de forma autônoma, foi sendo assimilado pelas escolas de samba.
Os desfiles passaram a escolher histórias e os sambas a contar este enredo.
A incorporação dos carros alegóricos se deu de forma progressiva: muito pequenos em 1960, quase como uma marca, os carros alegóricos, como cenografia das alas com figurantes em cima, só vieram depois. A atração de cenógrafos, coreógrafos e figurinistas deu ao desfile outro glamour.
A partir daí, o desfile vai entrando numa espiral de transformação com enredo, ordenamento de suas alas, fantasias, alegorias, coreografia, samba, bateria, transformando-se em uma ópera popular.
O desfile passa a ter todos os elementos da ópera, de uma ópera popular e única.
O libreto, a orquestra com seus naipes, o maestro, os atos com suas alas, coreografias e cenografias próprias, os cantores, o coro.
Imagine-se numa arquibancada e fixe-se num cone de visão. Os atos passam na frente do público, com suas alas, carros alegóricos, fantasias e coreografias. A bateria se fixa num ponto e sua música vai para todo o desfile. Um coro geral cantando o samba-enredo, dois tenores populares puxando o samba.
Toda a apresentação é articulada. Todo o público assiste à mesma ópera esteja onde estiver, pois os palcos são móveis e correm paralelamente ao público. Em cada ponto de visão o palco é fixo. Um espetáculo único no mundo.

CESAR MAIA escreve aos sábados nesta coluna.

cesar.maia@uol.com.br


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