São Paulo, quinta, 5 de março de 1998

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A responsabilidade criminal do adolescente



Prevalece a concepção punitiva, como se jogar adolescentes nos cárceres resolvesse a exacerbação da violência social
MARIA IGNÊS BIERRENBACH

O tema volta à pauta no rastro do conservadorismo da sociedade, que não sabe como resolver seus problemas e opta sempre pelo encaminhamento mais simples: o rebaixamento da idade de imputabilidade penal dos jovens autores de infrações. A corda sempre rompe do lado dos mais fracos.
É até compreensível que a sociedade assim pense, embalada na desinformação sobre o assunto, polêmico e complexo. O inadmissível é que autoridades ligadas ao tema, que têm obrigação de defender os direitos dos adolescentes, ajam de maneira totalmente descompromissada com eles, usando suas posições para divulgar idéias preconceituosas e mesquinhas, tratando-os como cidadãos de segunda classe.
Há um reducionismo do problema. Prevalece a concepção punitiva, segregadora, como se jogar adolescentes nos cárceres resolvesse a exacerbação da violência na sociedade. Até nessa perspectiva se enganam -ou, mais grave, pretendem enganar. Não é com mais violência que vamos alcançar a paz.
Argumentar que os jovens autores de infração penal podem ficar até três anos privados de liberdade, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, não interessa aos detratores do ECA, que querem jogar fora a criança com a água do banho. Não se sabe o que os incomoda mais: a lei avançada, afinada com os preceitos internacionais de defesa de direitos e apontando rumos para uma civilização comprometida com suas crianças e seus jovens, ou o direito à ressocialização dos jovens infratores.
O legislador inscreveu a idade de responsabilidade penal -18 anos- na Constituição para assegurar condições contra ataques que, vez por outra, ressurgem no bojo do autoritarismo e prever garantias contra os aventureiros de sempre, com suas receitas para, num passe de mágica, reformar a sociedade.
Alega-se o direito à opinião -sem dúvida, intocável. Mas soa estranho que, em debates sobre a questão, os juristas de ocasião se apeguem ao Código Penal, passando a falsa imagem de que ele rege a autoria do ato infracional dos adolescentes; na verdade, induz apenas à ideologia do controle e da repressão.
Desconhecendo o ECA, pretendem negá-lo e inviabilizam sua aplicação, a qual têm o dever de fiscalizar. Mais grave: em detrimento dos direitos dos cidadãos adolescentes que deveriam garantir. No mínimo, estão deslocados, sobretudo em suas funções precípuas de defesa da sociedade, já que estamos numa democracia de direitos, arduamente conquistada. É estranho que os operadores da Justiça não se embasem na lei para aplicar indiscriminadamente as medidas de internação, que, conforme determina a Carta, devem ter a excepcionalidade e a brevidade requeridas pela pessoa em desenvolvimento.
Pode-se supor que não estejam preparados para lidar com as referências conceituais e práticas que orientam a questão. Na França, quem lida com crianças e jovens passa por um curso de capacitação; sem ele, juízes, promotores, advogados, educadores não são considerados aptos. Para o exercício profissional, há que conhecer e apreender o espírito da lei; perceber os sujeitos em situação de risco pessoal e social e suas circunstâncias, na realidade econômica, política e social do país.
Quando vivemos num mundo globalizado, no qual se enfatiza a necessidade de desenvolvimento integral com base na educação, reduzir a idade de responsabilidade penal é crença equivocada no medievalismo da pena. É um gesto de reiterada exclusão das possibilidades de cidadania do jovem, de desestímulo ao exercício de direitos numa democracia ainda em construção.
EM Maria Ignês Bierrenbach, 55, assistente social, foi presidente da Febem-SP (governo Montoro) e do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. É membro da Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos e autora de "Política e Planejamento Social".



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