São Paulo, segunda-feira, 05 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS / DEBATES

Eu creio, a CPI é possível

JORGE BORNHAUSEN


O caso Waldomiro Diniz não deixará de atazanar o governo e paralisar o país, animando a especulação financeira
Quando a credibilidade de um governo passa a depender de gravações clandestinas e o submundo do crime descobre que é capaz de gerar crises políticas e decidir sobre os humores da sociedade, estamos diante de um quadro agudo de decadência moral. Nunca a marginalidade da chantagem, do jogo e da corrupção teve tanta audiência neste país como está conseguindo atualmente, com suas fitas e vídeos.
Esse é o diagnóstico mais generoso que se pode fazer da evolução do caso Waldomiro Diniz, um episódio de corrupção de quinta categoria que poderia ter sido resolvido como uma decisão asséptica. No caso, uma CPI do Senado, que teria se instalado por consenso, sem que seus membros fossem carimbados como oposicionistas e governistas.
Um mínimo de bom senso lembraria ao presidente e ao seu ministro da Casa Civil que uma investigação externa do Senado lhes faria bem. Para começar, ela os livraria de suspeições de protecionismo ou condescendência para com o funcionário pilhado em flagrante de corrupção. Também demonstraria disposição de mapear o grau de contaminação da ação do funcionário desonesto, menos pela aplicação simplória do adágio "cesteiro que faz um cesto faz um cento." Na verdade, era fato notório que o tal Waldomiro, em Brasília, manteve-se no ramo em que se iniciou na Loterj. É inquestionável que patrocinou interesses nas negociações que se desenvolviam na Caixa Econômica.
Qual o quê!
Seguindo maus conselheiros, o governo escolheu o caminho prepotente e atrabiliário de afastar a investigação externa que o Senado promoveria. Uma temeridade, já que tanto gerou suspeitas sobre os motivos que inspiraram a decisão como estimulou o mercado da chantagem a manter o país sob a expectativa da "próxima gravação". Além, naturalmente, de manter insepulto, exalando mau cheiro, o caso Waldomiro Diniz, que não respeitou nem as madrugadas do castelo espelhado da Procuradoria, na avenida das Nações.
A CPI do Senado, porém, continua sendo a melhor solução para essa história infeliz. O caso Waldomiro Diniz não deixará de atazanar o governo e paralisar o país, perturbando a política e animando a especulação financeira, enquanto, de forma clara, pública e inquestionável, não forem ouvidos, questionados e proclamados os culpados e os inocentes, hoje vilmente misturados no rol dos suspeitos.
Aliás, continuo otimista, confiante em que o Supremo Tribunal Federal vá suprir o grande equívoco do governo de usar uma omissão do regimento interno do Senado para descumprir a Constituição Federal. Como se o "nada" (ou seja, uma omissão) pudesse suplantar o "tudo" do dispositivo constitucional. Ora, se a Constituição determina claramente que um terço do Senado pode decidir a convocação de uma CPI, que outro poder, truque ou mezinha prodigiosa terá força para impedir que se cumpra tal disposição?
Lendo atentamente o despacho do ministro Celso de Mello, que recusou a medida liminar para o mandado de segurança que impetrei, encontrei sinais de que o caso não está liqüidado. Como relator do mandado, o ministro Celso de Mello reconheceu a "extrema relevância" do pedido e afirmou que a questão "impõe graves reflexões" em face do problema essencial dos direitos das minorias parlamentares, assegurado pela Constituição.
Não vislumbro pruridos no Supremo de mandar vir a bacia de Pôncio Pilatos. Por que negaria socorro da interpretação constitucional, que lhe cabe, diante do evidente e perverso esbulho que se está fazendo de um direito da minoria do Senado? A alegação de que se trata de questão "interna corporis" do Senado é simplesmente cavilosa.
Tudo isso só acontece porque o principal interessado, o presidente da República, não percebeu que, sob a democracia, não dá para esconder, ou simplesmente exonerar "a pedido", os auxiliares e amigos que o traíram envolvendo-se em casos de corrupção. Alguém precisa dizer ao presidente que, além de não ser Deus -sua última descoberta pessoal, autoproclamada com grande ênfase-, não depende de um ato da sua vontade sustar a instalação de uma CPI assegurada pela Constituição.

Jorge Konder Bornhausen, 66, é senador pelo PFL-SC e presidente nacional do partido. Foi governador de Santa Catarina (1979-82) e ministro da Educação (governo Sarney) e da Secretaria de Governo da Presidência da República (governo Collor).


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Fernando Bezerra: Investigação sim, CPI não

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.