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Editoriais
Dilma fala
Tom enfático da ministra não disfarça desgaste com episódio do dossiê e necessidade de isenção ao apurar o vazamento
DEPOIS DE UMA SEMANA
de desencontros e desgastes, a ministra da
Casa Civil, Dilma
Rousseff, veio a público para
apresentar pessoalmente sua visão a respeito do emaranhado
caso do dossiê contendo dados
sobre despesas do governo FHC.
A necessidade de um pronunciamento oficial sobre o tema fazia-se sentir com especial urgência depois de esta Folha ter publicado, em fac-símile, um trecho das planilhas do dossiê.
Na entrevista, Dilma Rousseff
afirmou que o trecho reproduzido pela Folha era diferente daquele entregue pelo jornal à sua
assessoria, na véspera da publicação da reportagem. Com isso,
deixava implícita uma suspeita
de manipulação nas informações apresentadas pela Folha.
Os documentos, entretanto,
são idênticos. A única alteração
realizada foi rasurar os dados do
arquivo que permitissem identificação da fonte da informação.
O que mais uma vez se verifica,
nessa insinuação, é a incapacidade do atual governo de lidar com
seus desacertos -e sua propensão a ver na imprensa não um
fundamento da democracia, mas
uma fonte de perturbação a ser
intimidada e combatida.
Apesar do seu tom rebarbativo
e peremptório, as declarações da
ministra na verdade revelavam,
ao mesmo tempo, uma considerável inflexão de rumos, face à
argumentação que o governo vinha adotando até então.
Não mais se insiste, por exemplo, na tese de que a Casa Civil
atendia a um pedido do Tribunal
de Contas da União quando levantou os dados sobre os gastos
do governo anterior. O próprio
termo "dossiê", antes rejeitado,
viu sua utilização tornar-se
"uma questão de conceito" para
a ministra, repetindo nesse ponto as elaborações teóricas de seu
colega da Justiça, Tarso Genro.
Por fim, Dilma Rousseff declara não "rejeitar nenhuma hipótese" a respeito do vazamento de
dados. Nem mesmo a de que a
iniciativa tenha partido de algum funcionário da Casa Civil.
Trata-se, afinal, de investigar, e,
se há suspeita de crime, é o caso
de convocar a Polícia Federal,
como qualquer pessoa sensata
teria feito desde o primeiro momento em que o caso veio à tona.
Ocorre que a atitude automática do petismo é considerar ato
de conspiração e lesa-pátria
qualquer notícia que o prejudique. A ministra declarou-se estarrecida com o noticiário sobre
o caso. Repetiu, ainda uma vez,
que está em curso um processo
de "escandalização do nada". Ao
mesmo tempo, qualifica como
"crime" o vazamento do dossiê.
O assunto, de fato, é tão intrincado que permite uma e outra
qualificação. A ministra afirma,
com razão, que não há escândalo
no fato de as compras para a despensa do Alvorada refletirem padrões exigentes de consumo.
Que determinadas compras
possam servir para exploração
política, não é entretanto segredo para ninguém. Que o governo
tivesse interesse em municiar-se
contra iniciativas desse gênero,
na CPI dos cartões, tampouco é
algo que fuja aos procedimentos
do jogo político real. Na elaboração e no vazamento desse dossiê
é que residem os enigmas e escândalos possíveis.
É isso o que cumpre apurar,
sem preconcepções e partidarismos de qualquer espécie. No que
depende desta Folha, tal requisito compõe fundamento e razão
de sua existência. Não é certo
que se possa dizer o mesmo da
ministra Dilma Rousseff.
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