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São Paulo, sexta-feira, 05 de setembro de 2003

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JOSÉ SARNEY

Orçamento e gripe

O Elio Gaspari popularizou a expressão "o dinheiro da viúva". O Boris Casoy completou: "Está saindo do nosso bolso, uma vergonha!". A contabilidade desses trocados está no Orçamento da União, que todo ano é proposto pelo Executivo, votado no Legislativo e motivo de muita briga e celeumas.
A menor crítica que se faz ao Orçamento é que se trata de uma peça de ficção. São orçadas a receita e a despesa, mas nem uma nem outra são exatas e tudo fica no domínio da aproximação e da previsão. A coisa fica mais irreal com os cortes e recortes, contingenciamentos (que palavra longa!) e liberações, que fazem do Orçamento -o tal "dinheiro da viúva"- um jogo de esconde e aparece, sem uma avaliação clara do que se gasta e se arrecada.
O PT experimentou, em seus governos estaduais e municipais, o badalado orçamento participativo, que nada mais é do que a doce ilusão de que o povo é quem escolhe prioridades e aloca recursos. Mas, como os recursos são de ficção, o orçamento participativo também é. Partilham-se ilusões.
Agora, o governo Lula decidiu tentar resolver o problema e anunciou: vamos fazer um orçamento verdadeiro, que exprima a verdade orçamentária, nada de chutes na despesa e na receita. Nada de cortes e de simulações.
A coisa tornou-se difícil e vulnerável a censuras. Primeiro, as reclamações sobre diminuição de verbas para o setor social, com previsões abaixo do exercício anterior. A gritaria foi geral, de acreanos a gaúchos. A explicação foi que se tratava de um orçamento verdadeiro, sem escamoteações. Mas não convenceu. Todos preferem um orçamento de sonho para ser cortado do que realista para ser cumprido. Contra o "orçamento de verdade", logo foi dito que "isso não é verdade".
O presidente da Câmara, o competente deputado João Paulo Cunha, tentou salvar o partido e defendeu: "Este Orçamento não tem a cara do PT". A oposição logo reagiu dizendo que, se não tinha a cara, tinha a alma. Outros quiseram consertar afirmando que o ministro do Planejamento não se furtava a colocar a cara, aceitando que o Orçamento era a sua cara, e correu o perigo do velho ditado que diz que "quem vê cara não vê coração".
Com meus anos de vivência em questões de orçamento, posso dizer que orçamento não tem coração, muito menos cara.
Essa discussão é pessimista. Se o Orçamento é uma ficção, o Congresso que o vota e o Executivo que o propõe são feitos de novelas e de novelos.
Mas a verdade é que o Orçamento será sempre o possível. O presidente Lula está com o bom propósito de fazer um orçamento realista, que, não sendo impositivo, seja o retrato da realidade.
Meu argumento se fortalece com a notícia que nos vem da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, onde o neurocientista Davidson nos anuncia a boa nova de que otimismo e alto astral são um remédio excepcional contra qualquer tipo de doença. Ser otimista, acreditar nas coisas, ajuda a curar problemas de saúde. Os pessimistas morrem cedo, e o segredo da longa vida é um convite a pensar para a frente.
A pesquisa conclui que otimista não tem gripe nem dor de cabeça e acredita em Papai Noel e em orçamento.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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