São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Novos tempos, novos desafios

HORACIO LAFER PIVA

Nestas últimas semanas, ao se completar o cinqüentenário da morte de Getúlio Vargas, tudo dele se falou. Inúmeras -e por vezes diferentes- conclusões foram apresentadas, sem que se conseguisse afinal encontrar uma definitiva resposta à sua gestão, entre outras razões por se procurar avaliar sua obra desvinculada de seu tempo. As ações do presidente, sem juízos de valor, foram fundamentais naquele momento e deixaram marcas profundas na estrutura do país.
Já neste início do século 21, a indústria brasileira, ainda sob os efeitos da herança varguista, passa por um período emblemático, jamais tão próxima do caminho de recuperação após a difícil situação que perdurou por muitos anos, e diante do desafio de reduzir as assimetrias que nos separam dos países aos quais desejamos vender e com os quais precisamos concorrer.
Não é para ela, contudo, tarefa fácil. O país ainda enfrenta um peso excessivo de seus passivos internos e externos, lida com gargalos complexos na infra-estrutura, carrega um custo de capital e uma legislação tributária que inibem investimentos, único caminho para a retomada de crescimento sustentado, e perde-se num cipoal burocrático anacrônico e perigosamente constrangedor do espírito empreendedor do brasileiro.
Soluções simplistas são apresentadas quase diariamente, como se dependessem de uma atitude voluntarista de um governante ou da ação organizada de um determinado grupo de pressão. Contudo nada mais sem sentido e perigoso do que a presunção e a ignorância quanto à complexidade do país.
Nesta última semana aconteceram as eleições para a Federação e o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, com um inédito resultado a separá-las, não obstante palavras de ordem, avaliações reducionistas e apelos em torno de uma suposta união.
Essas entidades fizeram muito ao longo de sua história de representação e, particularmente nestes últimos seis anos que me couberam, readequaram-se administrativamente aos novos tempos e reposicionaram-se politicamente como órgãos legítimos de pressão, respeitando a autonomia sindical e a isenção partidária, esta última fundamental nesse tipo de associação. Os resultados bem-sucedidos, que passam pelo fim da cumulatividade dos tributos, pela ofensiva exportadora, pela valorização da indústria, entre outros, estão à disposição nos arquivos da mídia e nos relatórios de gestão, de maneira que não cabe repeti-los neste prestigioso espaço.


Lembremo-nos de que desequilíbrios podem levar, se bem percebidos e trabalhados, a avanços, e não devemos temê-los

O curioso, entretanto, foi a demonstração de que as empresas, expressando seu voto nas eleições diretas, seguiram um caminho diverso de seus sindicatos, numa clara explicitação de desejo de mudanças, tão característico do industrial paulista. Palavras de ordem como "precisamos corrigir rumos", "ser ouvidos", "transformar discursos em realidade", "dizer adeus às omissões", tão agressivas quanto vazias, fizeram apenas parte de um cansativo trabalho de marketing e não foram suficientes para confundir tantos que estão dispostos a novos parâmetros de atuação.
É fato que alguns empresários ainda temem o risco da divisão dessa matriz setor/região caracterizada pela atual estrutura da Fiesp/Ciesp. Pois minha reflexão segue exatamente no caminho inverso: o desafio dessa nova situação é uma quebra de paradigmas e obrigará a uma interessante dimensão de entendimento, gerará uma mecânica de alianças e competição que poderá trazer benefícios na operação e na transparência dessas entidades. E, como importante subproduto, explicitará a discussão, sempre tão tímida, do sistema atual de representação, eleição, compulsoriedade e estrutura sindical, igualmente herdados da era Vargas.
Não devemos temer essa nova condição; ao contrário, aceitemo-la como uma extraordinária oportunidade. Temos dois novos condutores, competentes, embora de perfis específicos, e da relação entre ambos, mais ou menos afinada, o empresariado poderá ter algo ainda melhor do que o resultado em termos de eficiência e eficácia que, estou certo, como presidente consegui durante o "meu tempo". Lembremo-nos de que desequilíbrios podem levar, se bem percebidos e trabalhados, a avanços, e não devemos temê-los. Uma entidade que tão bem lidou com o tema da responsabilidade social corporativa nestes últimos anos não haverá de arriscar perder tudo o que conquistou.
As inéditas condições de visibilidade conquistadas pelas entidades industriais nos últimos anos, graças a um esforço diário de diálogo com os formadores de opinião e com a classe política, acabaram, num efeito paradoxal, por criar intensa rivalidade interna entre as numerosas fileiras dos setores representados. Essa corrida para ocupar o foco agora mais intensamente iluminado no amplo teatro da opinião pública teve por efeito aumentar o número de atores a serem ouvidos pela platéia. Não será um mal esse fenômeno, nem para a indústria, nem para o país.
Estou sereno e feliz quanto ao trabalho coletivo realizado por minha diretoria nestes anos, mas especialmente instigado pelo que o industrial poderá fazer nos próximos, agora com suas duas entidades maiores de representação e sua inserção competitiva nos mercados internos e externos. E para isso, a bem dessas entidades, da classe e do Brasil, conclamo a todos para que percebam a fenda que se abre e por ela atravessem na passagem entre o velho e o novo, marcando na história sua capacidade de superação, alianças, parcerias e foco no crescimento com justiça social.

Horacio Lafer Piva, 47, é presidente da Federação e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp). Ele deixará os cargos no próximo dia 27, quando Paulo Skaf assumirá a presidência da Fiesp e Claudio Vaz, a do Ciesp.


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: José Gomes Temporão: Pelo controle do tabaco

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.