|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CESAR MAIA
Furor legiferante
UMA REGRA que cabe bem na
cultura política brasileira:
governar é fazer leis.
O furor legiferante produz quatro efeitos: a sensação de solução
dos problemas; as relações de
clientela com parlamentares; parques de diversões para os escritórios de advocacia; riscos de uso de
resíduos legais, em outro tempo.
Em relação a esse último efeito,
há um caso clássico na política latino-americana: a "Teoria dos Resquícios Legais", do jurista chileno
Eduardo Novoa, ao analisar a aplicabilidade das propostas eleitorais
de estatização de Allende. Novoa
foi o constitucionalista de Allende.
Eram tantas as leis aprovadas
por anos, e tantos os dispositivos
de leis que foram esquecidos quando das revogações, que Novoa fez
uma busca nesse emaranhado legal
residual. Viu que dispositivos de
leis diversas, em momentos distintos, poderiam ser agrupados de forma a dar-lhes consistência. E então
aplicados administrativamente como regulação especial e com toda a
garantia de constitucionalidade.
Ele partiu dos dispositivos esquecidos pelos governos seguintes, dos
decretos-leis que o coronel Marmaduke Grove, em sua revolução
socialista de 1932, aplicou nos dias
que governou.
O primeiro efeito é exemplificado pelo entusiasmo na Constituinte de 88, onde cada dispositivo
aprovado era aclamado com a certeza de um problema resolvido.
A cada crise -na segurança, na
saúde, na economia...- criam-se
leis como solução, ou como esperteza, para ganhar tempo e criar
expectativa.
O segundo efeito é o envolvimento dos governos na aprovação
de novas leis. Esse festival vira um
jogo de barganhas para formar
maiorias. Essa é a razão maior dos
"mensalões", descobertos ou não.
A multiplicação de medidas provisórias é seu núcleo. O terceiro efeito é a teia de aranha de leis, que
abre espaços para a diversão e os
ganhos dos escritórios de advocacia. Na maior parte, as fontes pagadoras são os governos. E, com eles,
o engarrafamento de ações no Judiciário, acúmulos no STF e o encilhamento de precatórios.
A quantidade de leis aprovadas
pelo Congresso (e isso vale para os
Estados e municípios), sem ocorrer sistematizações periódicas,
com limpeza de resíduos inócuos,
contraditórios ou superados, produz no Brasil uma rede de possibilidades exóticas para os governos,
para as pessoas e para os advogados
e dificulta a dinâmica judiciária.
Uma revisão dessa cultura legiferante traria naturalmente muito
mais governabilidade: sem custo.
A atual crise econômica vem
sendo superada sem a necessidade
de lei nova. Mas durou pouco. Para
que lei do pré-sal? As que existem
servem. "É da minha natureza", diria o escorpião na velha história.
cesar.maia@uol.com.br
CESAR MAIA escreve aos sábados nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: É tudo Brasil Próximo Texto: Frases
Índice
|