São Paulo, sexta-feira, 05 de outubro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Do terror ao risco de guerra nuclear

LUIZ PINGUELLI ROSA

Há o perigo real de uma resposta desproporcional dos EUA levar à escalada do terror. E o terror tem meios de explodir um artefato nuclear em uma grande cidade dos EUA, que, por sua vez, retaliaria com um míssil nuclear. Esse risco é tecnicamente demonstrável. Houve comprovado extravio de material físsil, urânio enriquecido e plutônio, e de armas nucleares menores durante o período de desordem após o colapso da União Soviética.
A quantidade necessária para a massa crítica de material físsil explodir é de poucas dezenas de quilogramas, que ocupam um pequeno volume, dada a alta densidade do urânio e do plutônio. A massa crítica do plutônio é menor do que a do urânio, altamente enriquecido para uso em bombas, e a utilização de um refletor pode reduzir a massa necessária. É teoricamente possível um grupo ter posse desse material e usá-lo para uma explosão nuclear. Seria difícil lançar um pequeno míssil, mas seria fácil fazer um artefato que, apesar de não operacional militarmente, possa ser montado em um apartamento e detonado no mesmo local. O número de mortos poderia ser de 5.000 a 500 mil, dependendo do local e do raio de ação.
Seriam os grupos terroristas capazes de tal ato? A ousadia e a frieza dos ataques aos EUA indicam que não podemos descartar essa hipótese, dada a competência revelada na montagem, a sincronização e a execução da operação com os aviões.
Por que não usaram antes o material físsil? Parece haver uma lógica de escalada, típica do raciocínio militar.
A pergunta seguinte é se os norte-americanos estão considerando esse risco. Certamente sim, na cúpula militar e do governo, mas é difícil detectar o material físsil se ele já estiver escondido dentro do território americano. Parece que a doutrina militar que preside a resposta norte-americana é a de que a dissuasão do terrorismo pode ser feita apenas com uma retaliação maciça externa. Seria a minimização do uso da força militar. A maximização da retaliação dos EUA poderia levar à escalada nuclear.
Foi extremamente preocupante o discurso do presidente Bush, em que declarou uma guerra de modo indefinido a Estados nacionais acusados de compactuarem com o terrorismo. Declarou ainda que os países que não apoiarem essa guerra estarão escolhendo o lado do terrorismo e falou em usar armas de qualquer tipo, permitindo entender que incluía as bombas nucleares.
Antes mesmo da presente crise, o presidente Bush havia proposto, com a retomada da idéia do governo Reagan de fazer um escudo antimísseis, a mudança da doutrina de que armas nucleares só podem ser usadas contra países que possuam armas nucleares.
Apenas dois dias após os ataques terroristas ao World Trade Center e ao Pentágono, foi realizado na Coppe/ UFRJ um seminário sobre esse tema, organizado pelo Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais, que inclui entre seus estudos a questão das armas nucleares e da paz mundial.
O seminário teve um comparecimento maciço. Foi uma atividade programada pelos professores da Coppe, que paralisaram as aulas durante aquela semana, dentro da greve de docentes, funcionários e estudantes da UFRJ (greve contra a política de cortes de verbas e do irrisório reajuste de 3,5% dos salários federais, enquanto o dólar dispara).
Participaram do seminário membros do Pugwash (Conferência Mundial de Cientistas pela Paz), fundado por Einstein e por Betrand Russell, e da Middle Power Initiative, organização contra as armas nucleares.


Seriam os terroristas capazes de um atentado nuclear? Os ataques aos EUA indicam que não podemos descartar isso
A maioria dos americanos apóia a guerra contra o mal que o terrorismo representa para todos nós. Afinal o terrorismo é típico da direita e Bin Laden foi aliado da CIA na luta anticomunista. Ademais, o governo Taleban é autoritário. Isso legitima a ação militar violenta dos EUA, que poderá dizimar populações? Não. A propósito, há uma ótima peça teatral, "Copenhagen", em exibição na Casa da Ciência da UFRJ, sobre um encontro entre Bohr e Heisenberg durante a Segunda Guerra Mundial.
Heisenberg ficou na Alemanha e se acomodou ao nazismo. Bohr fugiu da Dinamarca ocupada e participou, nos EUA, do projeto da bomba nuclear. Bohr é o certo; Heisenberg, o errado.
A bomba foi proposta pelos físicos; primeiro por Szilard ao governo britânico e depois por ele e por Fermi, com o apoio de Einstein, ao presidente Roosevelt, dos EUA. A razão era o medo de que os alemães a fizessem primeiro. Entretanto, antes de estar pronta a bomba norte-americana, os alemães foram vencidos e não tinham avançado muito no sentido de a fazer. A bomba norte-americana era, pois, desnecessária. O certo errou. Alguns dos físicos envolvidos no projeto colocaram-se contra lançar a bomba, já que a derrota do Japão era uma questão de tempo. Mas era tarde demais. A criatura fugiu das mãos dos seus criadores e passou ao general Groves, responsável pelo projeto.
Bohr previu a corrida armamentista nuclear e levou sua preocupação a Roosevelt. A reação de Churchill foi dura. O memorando resultante da reunião dos dois líderes, em 1944, estabelecia: "A atividade do professor Bohr será submetida a um inquérito e medidas serão tomadas para assegurar que ele não seja responsável por fugas de informações, em particular para os russos".
Szilard e Rotblat, atual presidente de honra do Pugwash e Nobel da Paz, que a convite da Coppe esteve no Brasil em 1998, também ficaram contra seu lançamento no Japão. Rotblat saiu do projeto e foi vigiado policialmente. Szilard propôs fazer uma demonstração sobre um alvo desabitado para convencer os japoneses a se renderem. A decisão oficial foi: "A bomba deverá ser utilizada o mais cedo possível contra o Japão, sem advertência prévia e sobre um alvo com alta densidade de população". Coube ao presidente Truman dar a ordem.
Os alemães bombardearam Londres, onde usaram os foguetes precursores dos mísseis atuais. Mas os aliados também bombardearam populações civis, usando inclusive bombas incendiárias, matando dezenas de milhares de civis em cada ataque, que mobilizava centenas de aviões e milhares de toneladas de bombas. Assim foi em Colônia, Dresden, Berlim e Tóquio.
Em Hiroshima bastou apenas uma bomba transportada em um avião. E outra em Nagasaki. Enfim, contra a barbárie do nazismo foram usados os bombardeios de populações civis, culminando na bomba nuclear. Agora os EUA podem até planejar o bombardeio de populações civis do Afeganistão ou de outros países.
Precisamos nos juntar contra o terrorismo, mas também contra uma retaliação cuja escalada poderá levar ao terrorismo nuclear e à guerra nuclear.


Luiz Pinguelli Rosa, 59, físico, é coordenador do Instituto Virtual de Mudanças Globais da Coppe e professor titular da UFRJ.



Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Cláudio Weber Abramo e Márcio Almeida: Pé vermelho! Mãos limpas!

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.