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TENDÊNCIAS/DEBATES
Do terror ao risco de guerra nuclear
LUIZ PINGUELLI ROSA
Há o perigo real de uma resposta
desproporcional dos EUA levar à
escalada do terror. E o terror tem meios
de explodir um artefato nuclear em
uma grande cidade dos EUA, que, por
sua vez, retaliaria com um míssil nuclear. Esse risco é tecnicamente demonstrável. Houve comprovado extravio de material físsil, urânio enriquecido e plutônio, e de armas nucleares menores durante o período de desordem
após o colapso da União Soviética.
A quantidade necessária para a massa
crítica de material físsil explodir é de
poucas dezenas de quilogramas, que
ocupam um pequeno volume, dada a
alta densidade do urânio e do plutônio.
A massa crítica do plutônio é menor do
que a do urânio, altamente enriquecido
para uso em bombas, e a utilização de
um refletor pode reduzir a massa necessária. É teoricamente possível um grupo
ter posse desse material e usá-lo para
uma explosão nuclear. Seria difícil lançar um pequeno míssil, mas seria fácil
fazer um artefato que, apesar de não
operacional militarmente, possa ser
montado em um apartamento e detonado no mesmo local. O número de
mortos poderia ser de 5.000 a 500 mil,
dependendo do local e do raio de ação.
Seriam os grupos terroristas capazes
de tal ato? A ousadia e a frieza dos ataques aos EUA indicam que não podemos descartar essa hipótese, dada a
competência revelada na montagem, a
sincronização e a execução da operação
com os aviões.
Por que não usaram antes o material
físsil? Parece haver uma lógica de escalada, típica do raciocínio militar.
A pergunta seguinte é se os norte-americanos estão considerando esse
risco. Certamente sim, na cúpula militar
e do governo, mas é difícil detectar o
material físsil se ele já estiver escondido
dentro do território americano. Parece
que a doutrina militar que preside a resposta norte-americana é a de que a dissuasão do terrorismo pode ser feita apenas com uma retaliação maciça externa.
Seria a minimização do uso da força militar. A maximização da retaliação dos
EUA poderia levar à escalada nuclear.
Foi extremamente preocupante o discurso do presidente Bush, em que declarou uma guerra de modo indefinido
a Estados nacionais acusados de compactuarem com o terrorismo. Declarou
ainda que os países que não apoiarem
essa guerra estarão escolhendo o lado
do terrorismo e falou em usar armas de
qualquer tipo, permitindo entender que
incluía as bombas nucleares.
Antes mesmo da presente crise, o presidente Bush havia proposto, com a retomada da idéia do governo Reagan de
fazer um escudo antimísseis, a mudança da doutrina de que armas nucleares
só podem ser usadas contra países que
possuam armas nucleares.
Apenas dois dias após os ataques terroristas ao World Trade Center e ao
Pentágono, foi realizado na Coppe/
UFRJ um seminário sobre esse tema,
organizado pelo Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais, que inclui entre seus estudos a questão das armas nucleares e da paz mundial.
O seminário teve um comparecimento maciço. Foi uma atividade programada pelos professores da Coppe, que
paralisaram as aulas durante aquela semana, dentro da greve de docentes, funcionários e estudantes da UFRJ (greve
contra a política de cortes de verbas e do
irrisório reajuste de 3,5% dos salários
federais, enquanto o dólar dispara).
Participaram do seminário membros
do Pugwash (Conferência Mundial de
Cientistas pela Paz), fundado por Einstein e por Betrand Russell, e da Middle
Power Initiative, organização contra as
armas nucleares.
Seriam os terroristas
capazes de um atentado
nuclear? Os ataques aos
EUA indicam que não
podemos descartar isso
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A maioria dos americanos apóia a
guerra contra o mal que o terrorismo
representa para todos nós. Afinal o terrorismo é típico da direita e Bin Laden
foi aliado da CIA na luta anticomunista.
Ademais, o governo Taleban é autoritário. Isso legitima a ação militar violenta
dos EUA, que poderá dizimar populações? Não. A propósito, há uma ótima
peça teatral, "Copenhagen", em exibição na Casa da Ciência da UFRJ, sobre
um encontro entre Bohr e Heisenberg
durante a Segunda Guerra Mundial.
Heisenberg ficou na Alemanha e se
acomodou ao nazismo. Bohr fugiu da
Dinamarca ocupada e participou, nos
EUA, do projeto da bomba nuclear.
Bohr é o certo; Heisenberg, o errado.
A bomba foi proposta pelos físicos;
primeiro por Szilard ao governo britânico e depois por ele e por Fermi, com o
apoio de Einstein, ao presidente Roosevelt, dos EUA. A razão era o medo de
que os alemães a fizessem primeiro. Entretanto, antes de estar pronta a bomba
norte-americana, os alemães foram
vencidos e não tinham avançado muito
no sentido de a fazer. A bomba norte-americana era, pois, desnecessária. O
certo errou. Alguns dos físicos envolvidos no projeto colocaram-se contra lançar a bomba, já que a derrota do Japão
era uma questão de tempo. Mas era tarde demais. A criatura fugiu das mãos
dos seus criadores e passou ao general
Groves, responsável pelo projeto.
Bohr previu a corrida armamentista
nuclear e levou sua preocupação a Roosevelt. A reação de Churchill foi dura. O
memorando resultante da reunião dos
dois líderes, em 1944, estabelecia: "A atividade do professor Bohr será submetida a um inquérito e medidas serão tomadas para assegurar que ele não seja
responsável por fugas de informações,
em particular para os russos".
Szilard e Rotblat, atual presidente de
honra do Pugwash e Nobel da Paz, que a
convite da Coppe esteve no Brasil em
1998, também ficaram contra seu lançamento no Japão. Rotblat saiu do projeto
e foi vigiado policialmente. Szilard propôs fazer uma demonstração sobre um
alvo desabitado para convencer os japoneses a se renderem. A decisão oficial
foi: "A bomba deverá ser utilizada o
mais cedo possível contra o Japão, sem
advertência prévia e sobre um alvo com
alta densidade de população". Coube ao
presidente Truman dar a ordem.
Os alemães bombardearam Londres,
onde usaram os foguetes precursores
dos mísseis atuais. Mas os aliados também bombardearam populações civis,
usando inclusive bombas incendiárias,
matando dezenas de milhares de civis
em cada ataque, que mobilizava centenas de aviões e milhares de toneladas de
bombas. Assim foi em Colônia, Dresden, Berlim e Tóquio.
Em Hiroshima bastou apenas uma
bomba transportada em um avião. E
outra em Nagasaki. Enfim, contra a barbárie do nazismo foram usados os bombardeios de populações civis, culminando na bomba nuclear. Agora os EUA
podem até planejar o bombardeio de
populações civis do Afeganistão ou de
outros países.
Precisamos nos juntar contra o terrorismo, mas também contra uma retaliação cuja escalada poderá levar ao terrorismo nuclear e à guerra nuclear.
Luiz Pinguelli Rosa, 59, físico, é coordenador
do Instituto Virtual de Mudanças Globais da Coppe e professor titular da UFRJ.
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