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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Momento e missão
Propaga-se interpretação enganosa do momento atual. Essa
abordagem está sediada em São Paulo. Ela é produto de convergência entre atitudes correntes no mundo e circunstâncias brasileiras.
O Brasil, segundo essa maneira de
encarar a situação, amadurece. Descarta os devaneios da juventude: o sonho de caminhos diferentes. A realidade chegou na forma dos mercados e
da globalização. Nada de caciquismo
ou de aventuras. Dois partidos -o
PSDB e o PT- organizaram-se, profissional e intelectualmente, como representantes desse realismo modernizante. Com o abandono pelo PT da
pretensão confusa de oferecer alternativa, estreitaram-se as opções. O pleito
municipal de agora marca uma etapa
desse clareamento, polarizando o voto
nas grandes cidades entre os dois partidos da modernidade desiludida.
Essa visão é plausível. Como muitas
coisas plausíveis, é, porém, falsa. Há
duas objeções elementares.
A primeira objeção é que, embora
essa leitura dos fatos seja proposta em
nome do realismo, o projeto abraçado
tanto pelo PSDB quanto pelo neo-PT
não funciona. Ou funciona muito mal.
Dá ao país crescimento medíocre,
bem inferior ao dos outros países continentais em desenvolvimento, e
avanço medíocre na solução de seus
problemas sociais. Está marcada em
sua testa um estigma que o marca para
morrer: a queda lenta e constante da
renda popular. Que realistas são esses
que não conseguem recolher as lições
da realidade?
A segunda objeção é que confunde
fenômeno de superfície com constrangimento profundo. O PSDB foi o
centro da coalização que governou o
país por oito anos. O PT palaciano é o
centro da coalização que o governa
agora. As forças governantes de ontem e de hoje atraíram hordas de políticos e, com elas, o tempo oficial de televisão. Institucionalizou-se a troca de
favores públicos por dinheiro privado, regime que já existia, desorganizadamente, sob o governo anterior: por
cada grande negócio realizado no país
que dependa direta ou indiretamente
de aprovação oficial, cobra-se dos empresários contribuição partidária.
Com tudo isso, tornou-se ainda mais
difícil levar alternativas, de nome e de
mensagem, ao conhecimento do eleitorado. Este, porém, dá repetidas demonstrações de que se interessa por
outro rumo e por outros agentes. Só
não pode escolher quem não aparece.
Por um paradoxo feliz, a eleição presidencial é no Brasil a menos controlada pelo jogo do poder e do dinheiro. É
ali que há a melhor oportunidade para
afrouxar a corda com que os pseudo-realistas estrangulam, aos poucos, a
vitalidade brasileira. Como? Juntando
os elementos mais sérios da oposição.
Lançando candidatura presidencial
que evite extremismos e sectarismos,
mas que seja inequívoca e intransigente na determinação de dar primazia aos interesses do trabalho e da produção e de acabar com a corrupção da
política pelo dinheiro. Causando, desse jeito, susto e esperança, que acabarão por agregar apoios, primeiro da
sociedade e depois de outros partidos.
Quando começar a transparecer que
temos como traduzir a idéia de uma
alternativa produtivista, educadora e
democratizante em projeto de poder,
tudo mudará, de repente, na política
brasileira.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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