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Samba-exaltação
Lances de afirmação mundial do Brasil dão pretexto a cruzada ufanista, que maquia realidade insatisfatória
A ESCOLHA do Rio para
sediar os Jogos Olímpicos, o ganho de peso
do G20 no debate global, a diminuição do risco de investir no Brasil, o impacto atenuado da crise mundial e até a
histriônica participação na crise
de Honduras tornaram-se, por
assim dizer, um samba-exaltação à procura de autor. O concurso está aberto.
Que se apresente, senão o Ary
Barroso do lulismo, pelo menos a
sua dupla Dom e Ravel -os esquecidos autores do "Eu te amo,
meu Brasil", hit do gênero no auge da ditadura militar. Enquanto
os compositores esquentam seus
tamborins, o chefe da República
lhes estimula a criatividade.
"Deixamos de ser um país de
segunda classe. Ganhamos cidadania internacional", afirmou o
presidente Lula depois da conquista olímpica, anunciada na
Dinamarca. Se a epopeia nacionalista é certeira como uma flecha no centro do alvo, a realidade, cheia de contradições e matizes, sempre frustra o espírito
ufanista.
O Brasil vai hospedar a Olimpíada de 2016, mas o México já
organizou os Jogos, em 1968,
sem ter se emancipado, de lá para cá, do semidesenvolvimento.
Os emergentes aumentaram sua
presença nos fóruns de governança global, mas a relação entre
Estados Unidos e China é, de
longe, a preponderante para o
futuro da economia mundial.
Em assuntos que envolvem poderio militar, o status brasileiro é
quase periférico.
Apesar do furor propagandista
do Itamaraty, o incidente em
Honduras não tem dimensão para tornar-se referência de nada
relevante que diga respeito ao
peso específico do Brasil no continente. É estranho, aliás, vangloriar-se de atitudes que anularam a capacidade de mediação da
representação brasileira.
Com a lupa voltada para dentro, sobre as condições de vida da
maioria da população brasileira,
a toada ufanista perde muitas vezes a afinação. Um "país de segunda classe" é o diagnóstico
inapelável dos testes que comparam o desempenho de nossos estudantes com os de outras nações. O Brasil se sai bem pior até
no cotejo com países de renda
per capita equivalente. Na saúde,
o padrão se repete. Em pleno século 21, metade da população
não tem acesso a rede de esgoto.
Mais de 6 milhões de brasileiros
vivem em favelas.
De que o Brasil passa por um
momento de melhora contínua
em muitos desses aspectos -fenômeno caudatário de conquistas acumuladas sobretudo nas
duas últimas décadas de redemocratização-, não resta dúvida. Ocorre, em paralelo, uma onda de reconhecimento internacional desses avanços.
É preciso, contudo, enfatizar
que o Brasil ainda está longe de
patamares satisfatórios de bem-estar e desenvolvimento, pois
partiu tarde, e caminha devagar,
rumo a sua conquista. Quando se
ensaiam os primeiros acordes de
um tema velho, é sempre bom
lembrar que os patrocinadores
do ufanismo do passado -alguns
decantados pelo presidente Lula- estão entre os responsáveis
pelo nosso atraso.
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