São Paulo, Sexta-feira, 05 de Novembro de 1999
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AS MORTES NO CINEMA

O assustador episódio dos homicídios em um centro comercial paulistano pareceu, em certo aspecto, se destacar da rotina de violência. Sugeriu de pronto uma imagem midiática: o crime teria resultado da sugestão de assassinatos desatinados que não raro aparecem de modo espetacular nos meios de comunicação, mas costumam ocorrer nos EUA.
O recente caso de um rapaz que também atirou e matou a esmo na Alemanha teria reforçado a hipótese de contaminação pela mídia. Têm sido ademais frequentes debates sobre o papel de certos filmes e jogos eletrônicos na banalização do tiroteio, da brutalidade e do assassinato.
Além da estupidez ainda mais insensata dessas mortes no cinema paulistano, o crime chama a atenção obviamente também pelo fato ainda inusual de vítimas e algoz serem de classe média. É mais comum que pelo menos uma das partes envolvidas seja pobre e more em periferias ou partes degradadas da cidade. Em São Paulo, a taxa de homicídio dos rincões miseráveis é dez vezes maior que a das regiões mais ricas.
Decerto o crime do estudante de medicina suscita reflexão sobre o risco de a violência na mídia sugerir desvarios ou modelos criminosos, em especial para pessoas psicologicamente frágeis. Mas é também certo que é difícil discernir motivos determinantes de atos tão desatinados.
O embaraço se torna ainda maior quando se leva em conta que o ambiente de violência e medo generalizado no mundo real podem ser influências decisivas. A avaliação do caso, porém, seria totalmente equivocada se fossem desconsiderados elementos muito concretos, em favor de fatores midiáticos e psicológicos.
O estudante de medicina, ao que tudo indica, consumia drogas pesadas. Estava envolvido com um traficante, aliás recém-libertado da cadeia, de quem comprou uma arma poderosa. Problemas mentais e sugestões da mídia por si só não provocam morticínios. Mas a pressão das drogas e, mais ainda, uma metralhadora na mão, sim. É preciso uma sociedade deteriorada, em que o narcotráfico se vulgarizou e o acesso a armas perigosíssimas seja tão facilitado, para que o crime e a violência, em qualquer classe ou lugar, prosperem.


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