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São Paulo, quarta-feira, 05 de novembro de 2003

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Cidades perdidas

SÃO PAULO - A onda brutal e espantosa de atentados contra a polícia paulista reacende uma tese segundo a qual o crime em São Paulo estaria se carioquizando. Não faltariam argumentos nesse sentido, a começar pelo fato de que a delinquência organizada visa agora o próprio Estado.
Mas o problema assim parece mal posto. Seria ingênuo pensar que os efeitos do narcotráfico seriam menos devastadores justamente onde se concentra o dinheiro. No Rio, o crime está por assim dizer mapeado. Todos conhecemos os pontos turísticos onde atua o tráfico -a linha vermelha, os morros, os presídios, onde até baile funk há. São Paulo, até por razões topográficas, espalhou melhor sua barbárie social, empurrando-a para as franjas mais miseráveis da cidade.
Talvez seja correto pensar apenas que a burguesia paulista se protege com maior eficiência da desagregação social e da gangsterização do crime, que não deixa de ser um traço eloquente da nossa modernização -historicamente incapaz de estender aos pobres condições de vida minimamente dignas.
Além de reduzir a pó um pretenso orgulho paulista -besta como ele só-, os atentados atribuídos ao PCC nos colocam diante de uma dúvida que vai muito além do reconhecimento de um grave problema de segurança pública: haverá ainda condições de vida civilizada numa cidade como São Paulo e, por extensão, no país? Arriscaria dizer que não.
As soluções coletivas, inexistentes ou fracassadas, vão sendo cada vez mais substituídas por projetos individuais. A classe média, enquanto pode, se defende do Brasil privatizando-se: o "insulfilm" no carro, as grades e alarmes, o guarda na rua, a escola particular, o plano de saúde, a previdência privada, os clubes de fim de semana onde pobre não entra e por aí vai. A proliferação de shopping centers em São Paulo nos últimos anos não deixa de ser também um sintoma da privatização da diversão e do consumo. É o lado "inofensivo" do apartheid, sem aspas, informal do país. E claro que isso tudo não poderia acabar bem.


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