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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Cidades perdidas
SÃO PAULO - A onda brutal e espantosa de atentados contra a polícia
paulista reacende uma tese segundo
a qual o crime em São Paulo estaria
se carioquizando. Não faltariam argumentos nesse sentido, a começar
pelo fato de que a delinquência organizada visa agora o próprio Estado.
Mas o problema assim parece mal
posto. Seria ingênuo pensar que os
efeitos do narcotráfico seriam menos
devastadores justamente onde se
concentra o dinheiro. No Rio, o crime
está por assim dizer mapeado. Todos
conhecemos os pontos turísticos onde
atua o tráfico -a linha vermelha, os
morros, os presídios, onde até baile
funk há. São Paulo, até por razões topográficas, espalhou melhor sua barbárie social, empurrando-a para as
franjas mais miseráveis da cidade.
Talvez seja correto pensar apenas
que a burguesia paulista se protege
com maior eficiência da desagregação social e da gangsterização do crime, que não deixa de ser um traço
eloquente da nossa modernização
-historicamente incapaz de estender aos pobres condições de vida minimamente dignas.
Além de reduzir a pó um pretenso
orgulho paulista -besta como ele
só-, os atentados atribuídos ao
PCC nos colocam diante de uma dúvida que vai muito além do reconhecimento de um grave problema de segurança pública: haverá ainda condições de vida civilizada numa cidade como São Paulo e, por extensão,
no país? Arriscaria dizer que não.
As soluções coletivas, inexistentes
ou fracassadas, vão sendo cada vez
mais substituídas por projetos individuais. A classe média, enquanto pode, se defende do Brasil privatizando-se: o "insulfilm" no carro, as grades e alarmes, o guarda na rua, a escola particular, o plano de saúde, a
previdência privada, os clubes de fim
de semana onde pobre não entra e
por aí vai. A proliferação de shopping centers em São Paulo nos últimos anos não deixa de ser também
um sintoma da privatização da diversão e do consumo. É o lado "inofensivo" do apartheid, sem aspas, informal do país. E claro que isso tudo
não poderia acabar bem.
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