São Paulo, quarta-feira, 05 de dezembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O responsável pela greve nas universidades

IVAN VALENTE e ROBERTO ROMANO

A greve das instituições federais de ensino superior (Ifes) ainda não acabou. A responsabilidade por esse fato é exclusivamente do governo federal, o que ficou patente nas recentes medidas de tentativa de descumprimento de decisões da Justiça e no desapreço à ordem jurídica.
É preciso destacar que a greve envolve a quase totalidade das universidades, escolas e centros técnicos federais do país. Ela decorre da corrosão programada das instituições estatais. Em que pese a retórica oficial sobre a produção e difusão dos saberes como insumo decisivo do desenvolvimento, o governo deixa de ampliar os campi e, ao contrário do que afirma a propaganda do Ministério da Educação, o pequena incremento no número de vagas registrado nas Ifes decorre da iniciativa e do esforço das próprias universidades.
O governo percebe ser impossível retomar a doutrina neoliberal, como em 1995, quando o ministro não corou ao dizer que o país e as universidades brasileiras não precisavam se preocupar com pesquisas, pois todo conhecimento seria provido pelo mercado, pelas empresas transnacionais.
Se não mais veicula tal discurso, o ministro viabiliza a ferro e fogo a universidade que defende: instituições que, em sentido contrário ao que manda a Constituição, abandonem a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão de serviços à comunidade e que tenham as suas atividades e o seu cotidiano atravessados pela lógica do mercado e da privatização do público.
Tornam-se inteligíveis as atitudes governamentais de fornecer muitos motivos para a continuidade da greve. Desde o início do movimento, o governo evidenciou má vontade em dialogar com os docentes. As frágeis negociações que se verificaram ocorreram sempre por enorme esforço de parlamentares.
O Executivo investiu em dividir, fragilizar, reprimir e derrotar o movimento grevista, como na greve dos petroleiros de 1995. O Ministério da Educação não se mobilizou para ampliar as verbas orçamentárias necessárias à concretização das negociações realizadas. Tudo que foi feito nesta área também se deveu ao trabalho de parlamentares.


O Executivo investiu em reprimir e derrotar o movimento grevista, como na greve dos petroleiros de 1995


O Ministério da Educação segue a mesma orientação (do FMI) que preside as ações do Planejamento e da Fazenda. Quando houve uma possibilidade real do fim da greve, com base num acordo -costurado sempre com a intervenção do Parlamento, a partir de uma proposta fechada, com a presença da imprensa- em que seriam alocados no Orçamento do ministério mais R$ 363 milhões, o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), líder do governo, retirou a garantia de alocação dos R$ 250 milhões que o próprio Executivo havia firmado inicialmente.
Destaquemos a truculência e a provocação imprudentes como signos dos atos governamentais. Quando a greve atingia o segundo mês e as negociações começavam a caminhar, o executivo suspendeu o pagamento dos grevistas, colhendo por sua atitude provocadora maior unidade da categoria, fortalecendo a greve.
A truculência do governo e seu alvo de derrotar os docentes culminam com a atitude de desacatar as decisões da Justiça e a edição do pacotaço antigreve.
É inaceitável que, num momento em que um acordo está em vias de se concluir, o próprio ministério, que deveria estar à frente da busca de saídas para o impasse e de gestões efetivas para viabilizar o funcionamento da universidade pública com qualidade, passe a distribuir as ameaças aos reitores para torná-los capatazes dos seus próprios pares, seguindo decisões contrárias às ordens judiciais. O Executivo enviou à Câmara o projeto de lei que representa um brutal retrocesso em relação ao que as negociações já haviam avançado, tanto no que se refere ao volume de verbas a ser alocado no Orçamento quanto no tocante à incidência dessas nos salários dos professores.
A insistência no desgaste das universidades e a truculência governamental aprofundam o impasse. O presidente da República discursa sobre direitos em Paris e finge que o problema não é dele. Para a educação e a sociedade brasileiras, a luta dos docentes é de grande relevância, pois mantém a tese democrática da universidade pública, gratuita e de qualidade. A intervenção do Parlamento e a solidariedade de todos os segmentos sociais organizados são absolutamente necessárias.


Ivan Valente, 55, deputado federal (PT-SP), é membro da Comissão de Educação da Câmara. Roberto Romano, 55, é professor titular de ética e de filosofia política da Unicamp.



Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Rubem Alves: Gaiolas e asas

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.